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Adjamilton Pereira

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Zé Turututu

22/03/2012 às 19h09

Muitos o conheciam por Zé do Pife. Outros, por Zé Turututu. Este último apelido não era muito de seu agrado e sempre merecia de sua parte alguns impropérios e destemperos com quem ousava designá-lo dessa forma. O significado para turututu nem mesmo o Aurélio nos socorre. O primeiro apelido trazia estreita relação com uma de suas paixões: a arte de tocar pífano que, na linguagem coloquial sertaneja, se abrevia para pife. Com essa habilidade ele foi, por décadas, um dos principais articuladores, incentivadores e componentes da Banda de Pífanos da Comunidade de Monteiros, em Cachoeira dos Índios, vizinha e fraternalmente ligada a Impueiras, onde nasci.

Desde a mais terna idade lembro-me de Zé do Pife e sua Banda Cabaçal contagiando com seu som alegre e ritmado as novenas e renovações da comunidade e a Festa dos Cachorros, tradicionalmente celebrada há décadas na Comunidade de Monteiros e que reverencia a memória de um santo, Lázaro, que não é reconhecido pela Igreja Católica. Mas isso é assunto para teólogos. O que me impressionava, desde a infância, era o ritual seguido pela banda nessas solenidades religiosas. Antecedendo a reza do terço e a celebração das novenas, os integrantes do grupo, geralmente dois tocadores de pífanos, um tocador de caixa, um tocador de tambor e um tocador de pratos, adentravam a sala principal da casa e, diante da imagem dos santos, executava passos e genuflexões. Impressionava-me a seriedade e reverência com que Zé do Pife, no comando de seus “pariceiros”, executava as músicas com num enlevo sublime.

Lembro-me de Zé do Pife também como grande amigo de meu pai. Ele foi, durante os mais de vinte anos em que papai foi Ministro Extraordinário da Eucaristia na Capela do Distrito de Fátima, um dos seus mais fiéis companheiros nas manhãs ou tardes de domingo. Com sua fala ligeira, sua pequena estatura, seu andar miúdo e, de certo modo, rodopiante, no percurso entre Monteiros e a capela, conversava sobre lembranças, sobre folguedos e festas antigas, sobre reisados e cantorias, sobre invernadas e estiagens, sobre o cotidiano da comunidade e sobre as Sagradas Escrituras.
Ainda jovem Zé do Pife ficou viúvo e teve que assumir a responsabilidade de cuidar dos dois filhos pequenos, Vila e Tintim. Sempre alimentando a esperança de encontrar “uma moça bem bonita para se casar” aliviava esta expectativa tocando o pífano por ele mesmo confeccionado a partir de talos de taboca, uma espécie de bambu que cresce em ribanceiras de riachos e rios do sertão.

E assim viveu esse sertanejo por mais de noventa anos. Faleceu a semana passada. As novenas e festas dos cachorros serão mais melancólicas. Mesmo seus sucessores soprando o rudimentar pífano de taboca faltará a alegria de Zé Turututu, e a sua devoção a música e a crença na fé estarão apenas nas lembranças de quem o conheceu. O homem miúdo que preenchia os espaços com o som melodioso do pífano deve estar travestido de querubim soprando seu pife em outras dimensões.
 


Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.

Adjamilton Pereira

Adjamilton Pereira

Adjamilton Pereira é Jornalista e Advogado, natural de Cajazeiras, com passagens pelos Jornais O Norte e Correio da Paraíba, também com atuação marcante no rádio, onde por mais de cinco anos, apresentou o Programa Boca Quente, da Difusora Rádio Cajazeiras, além de ter exercido a função de Secretário de Comunicação da Prefeitura de Cajazeiras.

Contato: [email protected]

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Adjamilton Pereira é Jornalista e Advogado, natural de Cajazeiras, com passagens pelos Jornais O Norte e Correio da Paraíba, também com atuação marcante no rádio, onde por mais de cinco anos, apresentou o Programa Boca Quente, da Difusora Rádio Cajazeiras, além de ter exercido a função de Secretário de Comunicação da Prefeitura de Cajazeiras.

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