Um vento que sopra
Um vento brando e refrigerado pelas águas do grande açude sopra na tarde quente amenizando o clima e tornando agradável o ambiente nas varandas de uma casa grande no sertão. Espalhados em cadeiras e nos balaústres homens e mulheres reunidos discutindo problemas e afinidades e deliberando sobre os destinos de suas vidas. Mas esta é uma realidade atual. Em passado recente, as terras da fazenda formavam um grande latifúndio concentrado nas mães de grandes proprietários que, albergados sob a proteção do Estado, usufruíam de recursos e se apropriavam de programas e projetos artificialmente criados sob o pretexto de alavancar o desenvolvimento regional.
Em suas terras predominavam a monocultura do algodão e as pastagens para o rebanho bovino, tangido pelas mãos dos moradores subservientes e acanhados em sua autoestima e cidadania.
Como esta inúmeras outras fazendas pelo interior da Paraíba hoje se repartem em assentamentos de reforma agrária onde antigos moradores e trabalhadores rurais sem terra experimentam o sentimento de ser proprietário de um pedaço de terra e, nesta condição, terem as rédeas de sua história nas mãos, sem a sombra ameaçadora e prepotente do fazendeiro que limitava o número dos pequenos animais que podiam ser criados, que repartia a safra de milho, feijão e jerimum cultivados nas franjas das pastagens e da monocultura. Homens e mulheres que, agora, olham para o horizonte de fronte erguida e altaneira.
Que comercializam o que sobra de seus cultivos e incrementam as feiras livres de tantas cidades interioranas. Nas terras da grande fazenda outrora latifúndio hoje, a jusante do grande açude, espalha-se um vigoroso plantio de goiaba e banana que alimenta uma pequena indústria de produção de doces numa atividade que envolve, sobretudo, as mulheres. Mulheres que conquistam sua cidadania e aprendem que o mundo se estende além da soleira da porta de suas casas. Casas que, nos tempos de morador, revelavam o pau a pique da taipa ou o tijolo aparente da rusticidade e do abrigo de insetos transmissores de doenças. Hoje, o branco da cal das casas de alvenaria espalha um clima de dignidade, complementado pela cisterna construída no oitão e que, acumulando água da chuva, garante o abastecimento humano nos quentes meses de verão, reduzindo mortalidade e reinventando outras práticas de vida.
Não queremos, de forma alguma, idealizaroje, Hoje os assentamentos como única e possível alternativa para o latifúndio. Problemas existem como decorrência da convivência humana e das diferenças e diversidades que marcam as relações sociais. Muitos assentados revelam incompatibilidade com o estilo e a proposta de vida nos assentamentos. Outros tantos não se afinam com a dinâmica de decidir coletivamente através das associações e entidades representativas. Consideram uma intromissão e uma invasão a privacidade. Alguns não conseguem absorver as regras da convivência em agrovilas, partilhando o mesmo espaço e reinventando vivências que se distanciam da experiência rural e não traz as características da vida urbana.
Os problemas, contudo, não anulam os efeitos e as conseqüências positivas que a reforma agrária desencadeia. Olhando a transformação que a casa grande da fazenda sofreu, agora transformada em sede da associação dos assentados e não mais palco de reuniões políticas para decidir conchavos e acordos espúrios, percebi as mudanças que, sutilmente, se processam nas vidas e nas histórias de homens e mulheres que, conquistando a terra conquistam a cidadania e tecem, nas tramas e urdiduras do cotidiano, uma nova forma de encarar a vida. Agora, como donos da terra são também, de alguma forma, donos de suas vidas.
Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.
Leia mais notícias no www.diariodosertao.com.br/colunistas, siga nas redes sociais: Facebook, Twitter, Instagram e veja nossos vídeos no Play Diário. Envie informações à Redação pelo WhatsApp (83) 99157-2802.
Deixe seu comentário