Para Emília
A proximidade do São João impregna o ar com cheiros, odores e lembranças que se dissipam na atmosfera ao sabor da fumaça que exala das fogueiras e dos fogos e rojões que espocam no ar saudando um dos mais tradicionais santos cultuados no país. Lembranças que me chegam com o sabor do jerimum que meu pai enterrava no local onde fazia a fogueira e, no dia de São João, era deliciosamente degustado entre risos e sonhos após cumprir o ritual de se banhar nas águas mornas do pequeno açude antes que os primeiros raios do sol dissipassem as brumas formadas pelo frio da madrugada.
As lembranças se avolumam quando vivenciamos as saudades pela morte de Emília de Antonio José, que nos deixou recentemente. Em minhas reminiscências, sua relação com o São João sempre foi estabelecida pelos dias que passávamos em sua casa, na Malhada Vermelha, sempre no final da colheita. Era moradores de meu pai em uma rudimentar casa de taipa com um baixo fogareiro a lenha onde espanávamos as cinzas e atiçávamos o braseiro para assar as espigas de milho verde. Os almoços simples constituídos de feijão, farinha, arroz e um gordo capão cevado eram prazerosamente degustados entre falas e risos de esperanças na fartura de um inverno generoso e na abundância da safra de algodão que se anunciava.
Antonio José com sua fala pacientemente modulada ditava o ritmo da prosa. Emília, e seu inseparável cigarro de palha, soltava sua risada frouxa nas narrativas de causos e sucedidos da vida da ribeira. Uma alegria que nos contagiava nas inúmeras vezes que vinha ajudar mamãe nas tarefas de casa, sobretudo, nos resguardos, e íamos tomar banho no pequeno açude ao lado de nossa casa, em Impueiras. O seu prazer em nos ensinar a nadar amenizava nosso temor em enfrentar a água ao sermos arremessados por ela para as áreas mais profundas.
Criando uma família numerosa, Emília e o companheiro Antonio José sempre enfrentaram a dura lida na roça com dignidade, mesmo quando as adversidades impunham obstáculos e resistências. A pobreza material não foi suficiente para endurecer a generosidade e a gentileza que eles sempre cultivaram com amigos e vizinhos, personificando o verdadeiro sentimento da solidariedade.
Mais tarde, quando ela já residia no Distrito de São José, vejo sua alegria turvada pela injustiça. Encontro-a em Cajazeiras com os olhos marejados de lágrimas porque seu patrão atual negava-se a lhe disponibilizar os documentos que permitisse sua aposentadoria. Assumo a tarefa de contornar a situação e, com anuência de meu pai, utilizo a sua documentação para viabilizar que Emília tenha acesso ao benefício da aposentadoria. Com alegria e gratidão, sempre que a encontrava, dela recebia um afetuoso e sincero abraço e as carinhosas palavras de meu tesouro.
Tesouro que também se escondia no seu rosto simples e verdadeiro que, mesmo marcado pelo tempo, não perdeu a candura. E entre uma baforada e outra do cigarro de palha hoje ela espreita de outra dimensão nossas possibilidades de continuarmos sendo gentis.
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