Para Belijane, pela ousadia da atitude
Muitos perdem a vida inteira buscando compreender o sentido de viver com prazer. Inventam fórmulas, constroem engenhos mirabolantes, mergulham em interrogações intermináveis e se esgarçam entre teorias e conjecturas. Perdem momentos preciosos afetados pela miopia que embaça a visão e turva o discernimento para as coisas que, pela singeleza e simplicidade com que ocorrem, passam despercebidas aos olhos argutos dos que treinam a mente para pensar em outras dimensões e projetam mundos que o cotidiano banaliza.
O sentido do prazer de viver pode ser encontrado no som mavioso do galo de campina que, na alvorada sertaneja, espalha seu canto envolvente e empolgante como a revelar que a natureza, mesmo vilipendiada pela sanha humana, ainda é capaz de nos presentear com o espetáculo de uma sinfonia orquestrada por mãos invisíveis e poderosas que manipulam forças misteriosas e tecem redes e teias imponderáveis.
O prazer de viver pode ser encontrado no cheiro inebriante da terra sertaneja embrejada pelas primeiras chuvas que brotam a babugem e tingem de verde a cinzenta e adormecida paisagem das juremas, catingueiras, baraúnas, pau d’arcos e matapastos. O prazer de viver pode ser encontrado no olhar confiante do homem que, mirando o horizonte em busca de clarões de relâmpagos, acredita na força da terra que lhe sustenta e na energia da amizade que une mãos calejadas em torno da festa e do som contagiante da sanfona animando espíritos e articulando melodias.
O prazer de viver pode estar em um fiapo de lua crescente que, na companhia da estrela d’alva, morre no poente entre serras e nuvens antecipando a beleza de uma noite sertaneja de lua cheia. Noites que, entre sons agourentos de rasga mortalhas e cantos tristes de corujas, se refrigeram com o aracati que sopra nos verões mornos, aliviando o clima e agregando pessoas em torno de caldeiras nas calçadas e prosas soltas do cotidiano.
O prazer de viver pode estar no gesto de uma amiga que decide morar no sítio, longe do burburinho da cidade. Uma atitude que leva a descoberta da delícia de cultivar a horta, de aturar o cacarejo das galinhas e o cantar majestoso dos galos. A satisfação de ver brotar dos canteiros cultivados com o trabalho diário e os cuidados minuciosos a cenoura, o coentro, a beterraba. Enfim, o alimento saudável que sacia a fome e estimula a certeza da simbiose entre homem e natureza. Uma atitude que, nas primeiras horas da manhã da quarta-feira de Cinzas, enquanto ao longo os últimos acordes do Carnaval espantavam os derradeiros foliões, a leva a constatar que viver pode ser um exercício permanente de construção de pequenos atos e gestos, de articulação de ações e reações que nos colocam diante do mundo sem a presunção de interpretá-lo ou decifrá-lo. Mas apenas, de vivê-lo em sua plenitude.
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