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Adjamilton Pereira

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O som do repente

12/01/2012 às 23h16

O som da viola impregna a noite quente de verão. No terreiro, agora iluminado com lâmpadas elétricas, os repentes ecoam no ritmo da imaginação desafiando os presentes a contribuírem com os violeiros pingando na bacia colocada em um tamborete o pagamento pela festa e a retribuição pelas loas que a verve do menestrel teceu como obediência ao que lhe soprou ao ouvido os nomes e as qualidades da assistência.

Há tempos não assistia uma cantoria e, neste final de ano, na casa de Seu Vicente, vizinho de minha mãe, em Impueiras, presenciei esse que é um dos autênticos espetáculos de nossa tradição cultural. Não mais as sagas e peripécias de heróis, cangaceiros e beatos, mas a motivação para o improviso nasce da realidade virtual, das novidades da Internet, das heroínas e vilões das novelas televisivas. As gemedeiras, os martelos alagoanos, os desafios preservam a essência melódica. Mas, a sagacidade do repentista se atualiza com a realidade dos dias presentes.

A cantoria, no entanto, me transportou para minha infância e adolescência e me vi agarrada as pernas de meu pai no terreiro da casa de Luiz Monteiro, no Cipó dos Monteiros, nas noites de renovação. Devoto fervoroso e admirador incondicional do repente, ele unia as duas paixões. Assim, após rezar as novenas dedicadas ao Coração de Jesus e ao Coração de Maria, geralmente conduzidas por papai, na sala principal da casa, todos se dirigiam para o terreiro de onde se tinha uma visão privilegiada da calçada que servia como palco para violeiros como Espedito Sobrinho, Gerson Carlos e tantos outros que, de viola em punho, soltavam o verbo e preenchiam as noites sertanejas com improvisos, loas e agrados aos presentes que retribuíam com a generosidade de suas condições financeiras. Sentia-me orgulhosa quando os repentistas faziam alusão ao nome de meu pai que, com uma timidez brincalhona, contribuía com suas poucas posses de pequeno agricultor que assumiu a tarefa de educar dez filhos.

E a noite avançava espantando o sono enquanto as violas soavam desafios e improvisos. Voltava para casa pelos caminhos tortuosos das ladeiras de Impueiras embevecidas com a destreza daqueles homens que, na ligeireza do momento, articulava rimas e construíam cadencias, enquanto ouvia papai contar de outras cantorias que ele presenciou em sua adolescência e da grande admiração pela espontânea inteligência do repentista Bandeira Velho que, percorrendo, em lombo de burro, os sertões da Paraíba, do Ceará, do Rio Grande do Norte e de Pernambuco, promovia verdadeiras batalhas verbais com companheiros de todos os quilates e, dessa forma, construía para a fama de ser um dos mais renomados e afamados cantadores da região.

E o som dos repentistas me trouxe ao tempo presente. Não mais estava agarrada as pernas protetoras de papai. Voltei para casa de automóvel. Mas a emoção me fez reviver sentimentos que alimentam a vida e motivam sensações prazerosas.
 


Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.

Adjamilton Pereira

Adjamilton Pereira

Adjamilton Pereira é Jornalista e Advogado, natural de Cajazeiras, com passagens pelos Jornais O Norte e Correio da Paraíba, também com atuação marcante no rádio, onde por mais de cinco anos, apresentou o Programa Boca Quente, da Difusora Rádio Cajazeiras, além de ter exercido a função de Secretário de Comunicação da Prefeitura de Cajazeiras.

Contato: [email protected]

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Adjamilton Pereira é Jornalista e Advogado, natural de Cajazeiras, com passagens pelos Jornais O Norte e Correio da Paraíba, também com atuação marcante no rádio, onde por mais de cinco anos, apresentou o Programa Boca Quente, da Difusora Rádio Cajazeiras, além de ter exercido a função de Secretário de Comunicação da Prefeitura de Cajazeiras.

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