Minhas utopias
Queria ter a longevidade e a lucidez de Oscar Niemeyer para projetar o mundo em linhas curvas e possibilidades de liberdade. Queria ter a facilidade em traçar numa prancheta riscos e desenhos que se materializam em concreto e trabalho humano e erguem palácios, museus, edifícios. Queria ter a coerência do centenário arquiteto para acreditar em utopias e sonhar mundos mais justos e humanos. E quanta sensibilidade e gentileza encerram suas ações, práticas e convicções de vida somando uma postura que, no turbilhão da pós-modernidade soam obsoletas.
Queria ter a habilidade de um Carlos Drummond de Andrade para traduzir em prosa e versos as agruras e sabores cotidianos de nosso povo. Queria resumir em poucas linhas os sonhos, as aflições, as esperanças, os amores que marcam e demarcam territórios e espaços humanos. Queria ter a destreza de cantar minha terra apenas como uma amarelada moldura suspensa numa desbotada parede. Queria ter a capacidade de expressar em verso e prosa as múltiplas formas de amar e, escancarando sentimentos, ver pelas frestas da vida, a passagem do tempo e sua inexorável ação de amadurecimento e solidão.
Queria ter a alegria de um Charles Chaplin e metamorfosear mendigos geniais que encanam múltiplas facetas de um mesmo perfil: o homem e suas inesgotáveis fases e faces. Queria sorrir mesmo quando os ombros doridos pelo peso dos fardos existenciais envergam a espinha e enruga o rosto, escondendo o sorriso. Queria perambular por cenários cotidianos povoados por vagabundos, maltrapilhos, órfãos, desvalidos, desencantados e, na cara do palhaço, desenhar com a maquilagem um sorriso que esconde tristezas e desvarios a possibilidade de continuar acreditando no homem e na sua imorredoura vontade de construir felicidade.
Queria ter a destreza de tirar da sanfona os acordes inebriantes de Luiz Gonzaga e sua voz portentosa cantando os sabores, cheiros, amores e tristezas do sertão. Queria voar no retorno da asa branca e numa sala de reboco fungar no cangote de tantos sertanejos que, castigados pela miséria produzida pelos homens, ainda acreditam no amor de uma cabrocha faceira e na estabilidade de uma terra quer enverdece como os olhos de Rosinha.
Queria ter a facilidade de Manoel Bandeira e, nos seus Versos de Natal, apostar na esperança:
Espelho, amigo verdadeiro,
Tu refletes as minhas rugas,
Os meus cabelos brancos,
Os meus olhos míopes e cansados,
Espelho, amigo verdadeiro,
Mestre do realismo exato e minucioso,
Obrigado, obrigado!
Mas se fosses mágico,
Penetrarias até o fundo desse homem triste,
Descobririas o menino que sustenta esse homem,
O menino que não quer morrer,
Que não morrerá senão comigo,
O menino que todos os anos na véspera do Natal,
Pensa ainda em por os seus chinelinhos atrás da porta.
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