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Adjamilton Pereira

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Lembranças de Dona Elvira

05/04/2012 às 00h29

A fala arrastada e cantada envolvia a sua figura singular, com a inseparável toalha de retalhos harmoniosamente enrolada na cabeça. Nos olhos uma impressão de inocência e de confiança na vida, mesmo quando as maiores atribulações teimavam em minar as forças e abater o ânimo. Desde a mais tenra idade foi iniciada na vida adulta e, como toda menina sertaneja daqueles tempos, trabalhava na roça e na lida doméstica, ajudando os pais. A infância não teve os folguedos e brincadeiras. Apenas, a responsabilidade antecipada de cuidar da dura vida de filha de trabalhadores rurais que, na condição de moradores, repartiam a existência entre a expectativa dos invernos abundantes e o temor funesto das secas avassaladoras.

Ainda muito jovem lhe é destinado o casamento; não por opção, mas por imposição da vida. Casa-se com um viúvo com filhos e passa a assumir uma maternidade precoce. Cuida dos filhos improvisados e dos naturais com o mesmo desvelo. Reparte a vida entre a casa e o roçado, plantando milho e feijão, colhendo frutos do trabalho e sonhos. Ainda muito jovem encara a viuvez e é forçada a desdobra-se para assegurar o mínimo necessário para a sobrevivência dos filhos e também da mãe que, viúva, também fica sob seus cuidados. As atribulações de uma vida simples e com dificuldades jamais ofuscaram sua enorme capacidade de enxergar otimismo e soluções para todos os entreveros que a existência de parcos recursos e fartas carências lhe impunha.

Muitas vezes, em minha infância, a via chegar à casa de meus pais, em Impueiras. Tratava papai como respeito e reverência, chamando-o de “meu professorzinho”, pois tinha sido uma de suas alunas na escola de adultos que meu pai manteve por alguns anos. A rodeávamos com a curiosidade infantil acrescida do pedindo para que ela narrasse suas aventuras no Serrote do Quati, onde teria visto aparições sobrenaturais e sinais de um reino encantado. Aquelas narrativas encantavam e embalavam nossas imaginações de criança.

O seu jeito único de nomear gente e coisa no diminutivo a tornava singular. No seu mundo de simplicidade não habitava maldade, feiúra, rancor. Todos eram “parecidos com uns calunginhas” ou “anjinhos do céu”. Na sua inabalável fé fazia da oração uma fortaleza que a protegia de erros e tentações. Não cultivava raiva ou ressentimento, mesmo quando tinha seus roçados invadidos por reses que consumia meses de trabalho e a possibilidade de guardar algum legume para o período de estiagem. Justificava com o mais desconcertante dos argumentos: “São criaturinhas de Deus e estavam com fome”.

Assim viveu Elvira Paulo. Habitando uma dimensão que ela rascunhou com as tintas da simplicidade. E partiu serenamente, deixando um rastro de sons de anjos que, iluminados com a claridade do desprendimento, com alguma esporadicidade, gravita entre nós, nos lembrando de nossa fragilidade ante os mistérios e enigmas da vida.
 


Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.

Adjamilton Pereira

Adjamilton Pereira

Adjamilton Pereira é Jornalista e Advogado, natural de Cajazeiras, com passagens pelos Jornais O Norte e Correio da Paraíba, também com atuação marcante no rádio, onde por mais de cinco anos, apresentou o Programa Boca Quente, da Difusora Rádio Cajazeiras, além de ter exercido a função de Secretário de Comunicação da Prefeitura de Cajazeiras.

Contato: [email protected]

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Adjamilton Pereira é Jornalista e Advogado, natural de Cajazeiras, com passagens pelos Jornais O Norte e Correio da Paraíba, também com atuação marcante no rádio, onde por mais de cinco anos, apresentou o Programa Boca Quente, da Difusora Rádio Cajazeiras, além de ter exercido a função de Secretário de Comunicação da Prefeitura de Cajazeiras.

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