Entre silêncios e atrevimentos
Encobertas por concepções milenarmente elaboradas e que as consideravam incompetentes, as mulheres estiveram, por séculos, suspensas a condição de virtuosa ou de pecadora. Envoltas em mistérios e superstições, foram amaldiçoadas como bruxas, condenadas a fogueira como endemoniadas, relegadas ao claustro das selas e recônditos mais vigiados e escondidos dos lares.
Em torno de sua figura e usando-se a sua condição de procriadora foi inventada toda uma sorte de conceitos e elaborações que as situam no limiar entre a santidade e a perversão. Quando resignada com as condições de sua submissão, são apontadas e referenciadas como modelo, padrão a ser seguido, imagem a ser copiada. Quando subvertem a ordem estabelecida, são imoladas, caluniadas, marcadas a ferro, amordaçadas em silêncios e esquecimentos. Entre santa e pecadora, as mulheres foram, historicamente, definidas e conceituadas como seres inferiores, cidadãs de segunda categoria, de quem não se considerava a inteligência, a autonomia, a capacidade de autodeterminação. Como apêndices do mundo masculino, nele caminhavam nas franjas, nos subterrâneos, entre catacumbas e túneis construídos com a matéria prima da insubmissão abafada, da insurreição costuradas nas camarinhas e alcovas, da revolta arquitetada nas teias de jogos de sedução ou de insubordinação ante o sexo forte.
E, nesse percurso, somente nos tempos contemporâneos, as mulheres começam a ganhar visibilidade enquanto sujeitos autônomos capazes de caminhar com seus próprios pés, sem as muletas e escoras masculinas. Um percurso marcado por muitas resistências, desqualificações, deméritos. Das pioneiras que reclamavam apenas o elementar direito de transpor a soleira da casa, às sufragistas que se inserem numa dimensão política mais consistente quando reclamam o direito de incidir sobre os atos e conseqüências da vida social, muitas foram discriminadas e tantas imolaram a própria vida em sacrifício pela construção de uma esperança.
Hoje, quando celebramos uma data internacionalmente festejada, não podemos esquecer todo o processo histórico que produziu o que a escritora francesa Simone de Beauvoir sintetizou na frase: “Não se nasce mulher: torna-se”. Torna-se mulher, hoje, é não esquecer que milhares ainda são vitimas da violência de gênero. Que milhões de outras ainda são silenciadas por regras e preceitos religiosos, morais, culturais. Que tantas estão subservientes a dependência econômica. Milhares de mulheres ainda caminham na sombra masculina, silenciadas, mutiladas, amputadas em suas vontades e decisões. As festividades devem acontecer como espaço para que compreendamos que todos, homens e mulheres, são partes de uma mesma história: a incrível aventura da humanidade e que, mais uma vez, me apoiando na Simone de Beauvoir, dizer que “Querer-se livre é também querer livres os outros”.
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