Ausência de Natal
De repente, a saudade vai se naturalizando e o asfixiante sentimento de ausência vai sendo paulatinamente substituído por lembranças e reminiscências dos momentos de convivência familiar, dos aconchegos e afagos maternais que, nas noites assombradas da infância, espantavam visagens e mal assombros. No entanto, as festas de final de ano, quando o clima de natal e as efusivas manifestações alvissareiras de saudações de ano novo buscam construir um clima de harmonia, trazem o travo amargo da incompletude, da amputação de membros que foram definitivamente extirpados, deixando a sensação de dor e falsa presença.
A tua ausência trouxe o sabor dos bolos de milho e de arroz assados no forno a lenha e que faziam nossa alegria nas manhãs de Natal, e que eram avidamente degustados acompanhados de um saboroso copo de leite trazido do curral. A árvore de Natal foi melancolicamente montada na sala e adornada por teus inúmeros papais noel que, mesmo acionados pelas pilhas, estavam mais tristes em suas músicas eletronicamente orquestradas em sons e tons estridentes e destoantes. O som de tua voz não mais ressoou entre afagos e broncas mantendo a todos sob tua vigilância e teus cuidados. O balanço encadeado da cadeira de balanço no alpendre silenciou o ranger característico de tua presença. Esvaia-se no ar o cheiro sereno de tua colônia pós-banho.
Mesmo com a presença de vários irmãos, sobrinhos e outros parentes, no ar pairava um clima de distância. Teus gatos e cachorros esticados no terreiro lançavam olhares enviesados como a procurar tua presença. Nos galhos despidos da cajazeiras saguis, galos de campina e rolinhas fogo pagou entoavam uma melodia harmoniosa e triste. Não tivemos notícias do resultado das pedras de sal nas experiências do dia de Santa Luzia, como todo ano você fazia e que nos comunicava com o prognóstico das chuvas do próximo inverno. Nas manhãs, no alpendre da cozinha, faltava uma voz na prosa solta de quem chegava para pegar o leite e tomar uma gostosa xícara de café enquanto te atualizava sobre o cotidiano de Impueiras e cercanias.
Neste Natal a tua presença estava suspensa no limite da saudade e da lembrança. O som da tua voz tornava-se, cada vez mais, inaudível, oscilando ora como os ruídos soprados pelo vento do aracati que, nas quentes noites de verão, esgueirava-se pelas frestas do telhado aliviando o calor das longas estiagens ensolaradas e poeirentas, ora como o ronco dos trovões que, nas primeiras enxurradas do inverno, ressoavam nas franjas do Serrote do Quati iluminado pelos coriscos que serpenteavam o céu anunciando paisagens de fartura e novas cores.
Mamãe o primeiro Natal sem você não foi o mais triste, mas, com certeza, foi o mais despido de sons e cores. Apenas o sentimento de esperança que o Deus Menino anuncia nos confortou como energia de vida.
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