A oficina de Tio Amaro
Os pedaços de madeira tinham os mais diversos formatos, sobretudo, triângulos de vários tamanhos e se espalhavam pelo chão de terra batida da latada onde Tio Amaro montava sua marcenaria. A improvisada oficina contígua a sua casa ficava a duas ladeiras de nossa casa em Impueiras e aquele território de aparas de madeira, cheiros e odores de essências que exalavam das madeiras serradas e pó de madeira que acarpetavam o chão nos era interditado. Muitas vezes, escapavam a vigilância paterna e nossos ávidos olhos e corpos inocentes invadiam aquele espaço proibido, sobretudo, na ausência de seu proprietário. Deliciávamo-nos com a enorme quantidade de pedaços de madeira que era ingenuamente escondida nas moitas de marmeleiro próximas, e mais tarde, transportada para o quartinho do alpendre de nossa casa onde construímos um mundo encantado de casas de boneca e sonhos. Ali, as madeiras ganhavam formas diversas como camas, cadeiras, armários toscamente montados com tachas e pregos sorrateiramente pegos do caixão de ferramentas de papai.
A lembrança da oficina e do ofício de Tio Amaro emerge ao rever sua filha Neném, minha prima, sobretudo, escutar as suas narrativas de fatos e causos passados, relatados com o sabor da saudade e de uma bravura nunca manifesta. As imagens de Tio Amaro e sua refinada arte de trabalhar a madeira ressurgem acendem vivas lembranças na memória. Sua fala mansa e arrastada, intercalada por silêncios e sussurros. A maestria com que transformava troncos brutos de madeira em delicadas peças do mobiliário, como o guarda-louça que ainda hoje serve como peça do mobiliário de nossa casa em Impueiras. A sua delicadeza em construir instrumentos musicais, sobretudo, violões e cavaquinhos, revelava a sensibilidade de um homem que, embrutecido pela vida, não se deixava contagiar pela gentileza em expressar carinho, mas era capaz de mergulhar na sedução dos sons e acordes que as cordas de um violão produziam ao serem dedilhadas por mãos hábeis.
Sua inteligência o fazia se interessar por assuntos os mais diversos e procurar informações na leitura de livros sobre astrologia. Para nosso deleite as suas visitas lá em casa, sobretudo, quando ele foi morar em Pombal e depois em Itaporanga, acompanhando o filho mais velho, que havia se ordenado padre, eram acompanhadas de curiosidade e interesse. Queríamos saber sobre o horóscopo, nosso signo, o que nos revelava as linhas da mão. O encantamento beirava o mistério quando ela falava em decanato, expressão que fugia a nossa compreensão e nos transportava para um universo mágico e indecifrável.
Uma magia que tinha sido encadeada nas pequenas peças e aparas de madeira que catávamos escondidos em sua oficina. Um mundo perdido nas brumas da infância e que se agigantava nas suas histórias de grandes cidades e impossíveis possibilidades de vida que ele narrava nas visitas que fazia aos nossos pais nas bocas de noite enquanto rodava a chave da casa na mão e batia negligentemente um pé no chão como a marcar o compasso de viagens e sonhos irreais.
Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.
Leia mais notícias no www.diariodosertao.com.br/colunistas, siga nas redes sociais: Facebook, Twitter, Instagram e veja nossos vídeos no Play Diário. Envie informações à Redação pelo WhatsApp (83) 99157-2802.
Deixe seu comentário