A beleza do apagão
A revelia dos transtornos e inconvenientes que o último apagão provocou em nossas vidas, ele nos permitiu observar alguns aspectos de nosso cotidiano que a eletricidade e a modernidade teimam em afugentar. Da varanda de minha casa, olhando a cidade às escuras, enxerguei a beleza das noites enluaradas. Uma lua grávida de luz se espraia pelos telhados e ruas iluminando gatos sorrateiros e cães vadios que perambulam em busca de aventuras e novos mundos para serem desbravados. Em alguns momentos, faróis de automóveis e motos cortam o encanto da noite enluarada nos trazendo a sensação de realidade presente.
A noite palidamente iluminada pela lua quase cheia nos trouxe imagens de infância quando, em Impueiras, seguíamos o roteiro das renovações e novenas em casas de parentes e amigos, cumprindo um calendário que mamãe, inteligentemente, trazia na memória. Entre chás, cafés e brincadeiras infantis de roda e do anel fazíamos dos terreiros palcos para nossas estripulias. Os jovens brincavam de lado direito quando muitos namoros e futuros casamentos eram ensaiados. Voltávamos para casa, em muitas dessas noites, com a orientação de uma sertaneja lua cheia que recortava o Serrote do Quati desenhando sobre o céu de setembro impressionantes figuras que povoavam nossas imaginações de sonhos e fantasias.
Nos meses de agosto e setembro quando os campos de algodão estavam esbranquiçados pelas plumas a espera da colheita a lua cheia deixava o sertão mais radiante. A noite parecia mais alva como a refletir a luz lunar que se espalhava por morros e depressões guardando sons e brincadeiras dos apanhadores de algodão que, durante o dia, entre espinhos de jurema e a rigidez dos capulhos ressecados, inventavam bravatas sobre quem era mais ágil nesta tarefa. Nestas noites se ouvia os sons da mãe da lua que, protegida nas matas do Riacho do Meio, soltava seu canto melancólico e harmonizava com as corujas e rasga mortalhas que cruzavam os céus em vôos acrobáticos a cata de insetos e galhos seguros para o pernoite.
Olhando a cidade iluminada pela lua cheia de outubro o Morro do Cristo Rei se projetava para o céu como os serrotes que, de minha casa na infância, cortava o infinito na parte nascente. Como irmãos siameses, os Serrotes do Redondo e do Tambor seguiam uma silueta harmoniosamente traçada e também serviam como referência para anunciar a chegada das chuvas, sobretudo, durante o dia. Quando papai perguntava se já estava chovendo nas serras tínhamos a certeza de que, em alguns minutos, teríamos o prazer dos banhos nas biqueiras da casa e que a água jorraria no solo, fecundando a terra seca e brotando a babugem que veste de verde a caatinga travestida de cinza pelos quentes meses de estiagem.
Com a cidade iluminada pela lua essas imagens retornaram como memórias que teimam em nos manter acesa a beleza de uma lua cheia, hoje afugentada pela energia elétrica e negligenciada pela azulada luz das televisões, tablets e outras parafernálias que, cotidianamente, nos roubam o prazer do singelo.
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