Semana Santa
A chuva volta em plena Quaresma e, na Semana Santa, a tradição sertaneja de ter feijão verde, maxixe, pamonha na mesa se renova. Após um veranico que ameaçou as plantações exatamente no momento da floração e da formação dos grãos o retorno das chuvas deixa o sertanejo, que ainda acredita no sertão e não trocou o seu jumento por uma moto, mais confiante e esperançoso de ver seu roçado de milho e feijão ameaçando uma colheita promissora e trazendo a garantia de que o roçado do Judas no Sábado de Aleluia será variado e abundante. O cheiro do legume que exala dos roçados bem formados e granados é como o combustível que alimenta a esperança em ter os silos cheios e a garantia de que, durante o verão, bichos e homens terão o pão de cada dia.
O clima da Semana Santa com o cheiro da chuva que retorna traz ainda reminiscências de infância quando, já na Quinta-Feira Santa, nos dirigíamos a casa de meu avô materno, Papai Manoel, para passarmos com ele os dias grandes da Semana Santa. O medo da infância que me fazia enrosca em suas pernas cheirando a avô e cigarro de palha me protegendo dos caretas que, escondidos em suas máscaras de papelão e vestimentas de palhas secas de bananeira, mudavam a identidade dos filhos de Madrinha Vitória, de Tio Enedino. Mesmo a garantia do avô de que eram todos conhecidos não amenizava o temor que fazia palpitar desgovernadamente o coração infantil.
Semana Santa que trazia ainda o sabor de sua culinária específica, com o milho assado e cozido, a frigideira de bacalhau, o feijão verde temperado com piqui e nata de leite cozido. Sabores que nos deliciavam no lanche da tarde a base de queijo de coalho e rapadura e tão avidamente degustados pelos meus primos que, acostumados na vida urbana, adoravam a novidade do exótico.
Semana Santa da Via Sacra celebrada com reverência e compaixão na Capela de Fátima. Os olhos infantis admirado da coragem e convicção das primas de minha mãe e das agregadas de meu avô, como as filhas de Madrinha Vitória, que fazia as três horas de agonia ajoelhadas no duro cimento dos mosaicos que ornavam o chão do Oratório. O sacrifício do Cristo Crucificado tinha os cheiros e os sabores da Casa de Papai Manoel e o percurso até a Capela de Fátima e sua atmosfera de respeito e reverência.
No final da tarde da Sexta-Feira Santa voltávamos para Impueiras. Na estrada íamos nos despendido de tio Zé Queiroga e tia Dora, tia Naninha, Totonha e Seu Tonho Saraiva, De Tia Chiquinha e Enedino, de Tia Marica, de Tio Romualdo. Chegávamos ao Monteiro onde papai ainda trocava um dedo de prosa com Joaquim Monteiro, figura imponente e que trazia certo temor a nossas imaginações infantis ante a informação, nunca confirmada, de que ele era possuidor de um Livro de São Cipriano. Para que serve este livro ainda hoje não sei, mas, na minha infância, se falava em sussurros que servia para fazer magia negra.
Entre sabores e lembranças e diante da magnitude que, para os cristãos, representa o sacrifício da paixão e morte do Cristo, guardo na memória fragmentos da infância enquanto lá fora a chuva escorre dos telhados e fertiliza a vida.
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