Para Ana de Holanda
A demissão da ministra da Cultura, Ana de Holanda, revela a força que determinadas práticas e vivências políticas ainda exercem no cotidiano da vida administrativa do país. Práticas e vivências que se instituíram ao longo de séculos como decorrência da forma como o poder foi exercido deste os imemoriais tempos coloniais. Exercício de poder que se organizava em torno de uma compreensão de personalização e personificação do público. Práticas que substanciaram modelos de organização do Estado e das instâncias governamentais onde a obediência, o jugo, a servidão, o rezar pelas cartilhas dos coronéis mantinham capachos e jagunços como medidas da ordem e do controle de gentes e mentes.
Ao reclamar que seu ministério tivesse a dotação orçamentária que as políticas públicas de cultura reclamam como necessárias para desenvolver ações e projetos que, considerando a caleidoscópica composição cultural do país, promovessem, minimamente, as manifestações culturais e incentivassem os mais diversos grupos e organizações, a ministra demitida revelou somente a feição de um governo que prioriza como modelo de governar, a valorização do capital, que é protegido e valorizado com as mais mirabolantes medidas e ações.
Valorização que situa em posições antagônicas e díspares, por exemplo, os investimentos públicos na chamada grande agricultura, ou agricultura de mercado que, convertendo alimentos em mercadorias, se organiza a partir dos ditames do mercado, e a agricultura familiar que, plantando batata, feijão, arroz, alface, jerimum, abastece nossas feiras livres e mercados e é responsável pela quase totalidade dos alimentos que, diariamente, consumimos em nossas mesas.
Outro pecado que, segundo a lógica do governo, a ministra demitida cometeu, foi o de reclamar o pagamento de salários dignos para os servidores do ministério. Reajuste salarial que nós, docentes das universidades federais, estamos exigindo como condição mínima para o exercício da atividade docente e, dessa forma, revertermos para a população, os serviços de uma educação de qualidade e a realização de pesquisas que, produzindo conhecimento, fortaleçam o país no campo de sua soberania e de seu desenvolvimento econômico, social, humano, ambiental.
Mas Ana que o irmão Chico cantou como Ana de Holanda ou Ana de Amsterdã, acreditou que um governo que se anunciou nos palanques como popular e afinado com as demandas e necessidades do povo, ouviria os reclamos e aceitaria o contraditório e a autonomia dos seus ministros para definir e exigir respeito e o mínimo de condições para o atendimento de seus projetos e ações. Ana foi sumariamente substituída por alguém que, outrora também se apresentava como engajada e envolvida com uma proposta de sociedade diferente, calcada na justiça, na democracia e no respeito. Sei que você não tomará conhecimento destes escritos. Mas, para você, Ana de Holanda, minha alegria pela sua coragem e ousadia.
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