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Adjamilton Pereira

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Pálida figura

19/10/2012 às 00h55

Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
– dor não é amargura.
(…)
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.

Os versos da poetisa mineira Adélia Prado, com que inicio esta coluna, me foi evocado quando li um panfleto que circulou na cidade de Cajazeiras, um dia antes das eleições municipais. O texto, sob o título “Cajazeiras meu amor, Cajazeiras minha paixão”, é creditado a Dra. Denise, que venceu as eleições majoritárias municipais diante do impedimento legal da candidatura de seu esposo. Utilizando-se de uma linguagem apelativa o escrito contraria todo um processo histórico em que, nos últimos dois séculos, em diversas partes do planeta, mulheres, e homens, estão tecendo novas relações e buscando articular diferentes formas de viver diversas daquela que, milenarmente, pensou o mundo pela perspectiva androcêntrica.

Com relativa abundância o escrito caracteriza a figura da esposa como serva, como aquela que, renunciando a própria vida e a própria identidade, serve ao seu amo e senhor, traduzindo-se em sua mera projeção, numa apagada sombra da figura masculina, que suga sua vontade, seu amor próprio, seus sentimentos e, dessa forma, lhe usurpa a autonomia.

Assim conceitualizada a candidata nega a luta de tantas mulheres que, pública ou anonimamente, em seus cotidianos, em suas ações e em suas trajetórias de vida, buscaram romper com a clausura das camarinhas, buscaram rasgar as amarras do silêncio, buscaram transgredir as interdições políticas, sociais, culturais, religiosas, buscaram esgarçar as mordaças que, por milênios, nos reduziram ao universo da insignificância política. Uma luta que se traduz no direito ao acesso a educação, ao mundo do trabalho, aos espaços políticos. Luta que tem como positiva consequencia a participação feminina no mundo da política, votando e sendo votada para cargos legislativos e executivos.

Nem todas as mulheres que estão no mundo da política, no entanto, conduzem sua atuação por essa perspectiva, mas todas ocupam essas posições como decorrência da luta de outras tantas mulheres que, ontem e hoje, inclusive, com o sacrifício da vida, insistiram e insistem em buscar relações sociais e de gênero mais isonômicas.

Não conheço a Dra. Denise. Mas, infelizmente, não tenho nenhum orgulho de estufar o peito e dizer que Cajazeiras terá sua primeira mulher prefeita quando o escrito que circulou as vésperas da eleição afirma: empresto meu nome nesta eleição para que eu possa ser, a frente dos destinos de Cajazeiras, os olhos, as mãos, a cabeça, a alma e, principalmente, o coração de Carlos Antonio. (…) É ele que estará, efetivamente, assentado na cadeira de prefeito. Palavras que expressam e agridem a sensibilidade humana por considerar a mulher como mera marionete, como inanimado fantoche cujos cordéis seguem a vontade da manipulação masculina.

Vejo que ainda temos muita luta a travar. Tenho a convicção de que a mudança ainda se faz lenta, mas, bebendo na poesia da Adélia Prado, acredito, pois,
Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.

 

Adjamilton Pereira

Adjamilton Pereira

Adjamilton Pereira é Jornalista e Advogado, natural de Cajazeiras, com passagens pelos Jornais O Norte e Correio da Paraíba, também com atuação marcante no rádio, onde por mais de cinco anos, apresentou o Programa Boca Quente, da Difusora Rádio Cajazeiras, além de ter exercido a função de Secretário de Comunicação da Prefeitura de Cajazeiras.

Contato: [email protected]

Adjamilton Pereira

Adjamilton Pereira

Adjamilton Pereira é Jornalista e Advogado, natural de Cajazeiras, com passagens pelos Jornais O Norte e Correio da Paraíba, também com atuação marcante no rádio, onde por mais de cinco anos, apresentou o Programa Boca Quente, da Difusora Rádio Cajazeiras, além de ter exercido a função de Secretário de Comunicação da Prefeitura de Cajazeiras.

Contato: [email protected]

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