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Adjamilton Pereira

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O leiteiro

23/02/2011 às 07h18

Toda cidade é pródiga em produzir seus tipos característicos. Cajazeiras, em todas as suas épocas, vivenciou personagens que, saindo do anonimato, ganham a projeção das ruas e a adesão, de forma simpática ou não, de seus moradores. Nesse celeiro de personagens podemos incluir Noventa e Nove, Cachimbo Eterno, Chica Mão Branca e tantos outros que, em momentos distintos, se notabilizaram como foco da atenção, da irreverência e, em situações diversas, da própria maldade e perversidade popular.

O personagem do dia não é alvo da irreverência e do sarcasmo do povo, mas, por suas peculiaridades, ganha a projeção de personagem típico e inusitado na cidade. Seu nome, não sei, e este detalhe não desmerece seu desempenho. Uma velha carroça de madeira lhe conduz pelas ruas da cidade. O lastro arranjado com pedaços de zinco já pontilhados por focos de ferrugem abriga botijões de leite que ele comercializa de porta em porta como a teimar em manter viva uma tradição que a modernidade sufocou nas caixas de leite pasteurizado. Quem são seus clientes, também não sei, e este detalhe é irrelevante diante da figura que se agiganta em seu pequeno chapéu de couro encardido por tanta lida de suor, chuva e sol.

O transito da cidade lhe é indiferente e entre carros, motos e caminhões ele trafega mansamente, obedecendo aos semáforos, mãos e contramãos das vias públicas. O passo lento de seu jumento determina o ritmo da caminhada. Sem pressa como a determinar que a vida deva correr lentamente no arqueado dos passos lerdos do asno. Nas mãos um relho improvisado e esgarçado que se mantém aí muito mais pela força do hábito do que por necessidade de imprimir um trote mais aligeirado para sua montaria. Tudo segue um cronograma imaginário e cotidianamente repetido. Sem pressa, mas a cumprir escalas e percurso idealizados pela vivência de tantos dias repetidos, de tantos gestos copiados, de tantos litros de leite vendidos.

Presos atrás da carroça e seguindo o mesmo passo de seu dono e do jegue que movimenta a montaria, dois cães viralatas observam, indiferente, as múltiplas paisagens urbanas que se esgueiram pelas laterais da carroça. Caminham no mesmo ritmo. Param sem reclamar de seus destinos. Presos por correntes ou cordas carcomidas não se sentem prisioneiros. Estão com seu dono. Protegem-lhe. Velam por sua segurança. As línguas de fora não são sintomas de cansaço, mas apenas maneiras de equilibrar o mecanismo do organismo com a marcha cotidiana que empreendem pelas ruas de Cajazeiras. Imunes as buzinas dos automóveis, aos murmurinhos das vozes humanas, ao badalar dos sinos e relógios da torre da igreja, os cães, seu dono e o jegue imprimem na paisagem da cidade uma imagem de passado e sonho.
 


Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.

Adjamilton Pereira

Adjamilton Pereira

Adjamilton Pereira é Jornalista e Advogado, natural de Cajazeiras, com passagens pelos Jornais O Norte e Correio da Paraíba, também com atuação marcante no rádio, onde por mais de cinco anos, apresentou o Programa Boca Quente, da Difusora Rádio Cajazeiras, além de ter exercido a função de Secretário de Comunicação da Prefeitura de Cajazeiras.

Contato: [email protected]

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Adjamilton Pereira é Jornalista e Advogado, natural de Cajazeiras, com passagens pelos Jornais O Norte e Correio da Paraíba, também com atuação marcante no rádio, onde por mais de cinco anos, apresentou o Programa Boca Quente, da Difusora Rádio Cajazeiras, além de ter exercido a função de Secretário de Comunicação da Prefeitura de Cajazeiras.

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