O céu em festa recebe Assis de Noé
Mais um herói anônimo ganha as alamedas da eternidade. Em décadas passadas era comum ter uma família numerosa, principalmente quem residia na zona rural. E não foi diferente com Francisco de Oliveira Campos, conhecido como Assis de Noé, ao se casar com Dona Maria Vieira Campos, em 1959. Desta união nasceram 14 filhos, de parto normal. Destes 14, onze nasceram no Poço Vermelho e 11 sobreviveram e um quase nascia “no meio da rua”, não fora um cidadão, “um filho de Deus”, nas palavras de Dona Maria, que deu uma carona num velho carrinho, para que chegasse até a maternidade de Cajazeiras.
Uma das razões para o homem do campo ter uma grande família: ampliar, além do patriarca, o número de braços para arar a terra e encher a casa de legumes. Com este casal não foi diferente, mesmo depois de não ter a oportunidade de frequentar uma escola por muito tempo, tomou a decisão de enviar Lourdes e Nega, bem como o mais “inteligente” para estudar em Cajazeiras e foi com Jeová Campos, Lourdes e Nega que as os caminhos se abriram para outros irmãos. Jeová, ao mesmo tempo em que estudava em escola pública, vendia alho pelas ruas e feiras de Cajazeiras e com determinação se tornou advogado, militante político, professor da Universidade e detentor de dois mandatos de deputado estadual, pela vontade soberana do povo.
Assis de Noé tinha orgulho de seus filhos: “são vencedores e trabalhadores”. Era um homem que sabia partilhar. Gostava muito de política, ao ponto de em 2006, já sem visão, fez questão de votar em seu filho, que concorria a uma vaga na Assembleia da Paraíba. Não queriam o deixar votar, mas bateu o pé: chamem o juiz, que só saio daqui depois de votar. E votou. Já Dona Maria não gosta de política, mas é fã e adora ouvir Marquinhos falando nas rádios.
O Distrito de Bom Jesus e o Sítio Poço Vermelho eram e continuam sendo uma referência muito forte da família Vieira Campos, uma espécie de porto seguro e com laços telúricos além da imaginação. É conhecido como “Caneco Amassado” e se constitui como sendo o “centro do mundo” a “Pátria amada”.
Foi num pequeno Oratório que, Emanuel de Oliveira Campos, conhecido por Noé, rezava o rosário e cantava seus benditos, de joelhos no chão, durante os meses de maio e junho e seu filho Assis decorou todos eles e adorava cantá-los, era o seu encontro com a Virgem Maria e o sublime. A oração o fortalecia.
Assis não tinha muitas letras, mas Deus lhe deu dom de possuir uma memória excelente e isto lhe favoreceu, com sua inteligência, ser um construtor de cordéis e os recitava com muita alegria e fazia a festa em torno dos filhos e um destes recitais fala do “jumento Barroso”, que sempre foi motivo de muitas gargalhadas.
Dona Maria fala de seus filhos com alegria no coração, mas as lágrimas despencam na face, já marcada pelo tempo, quando relembra de Assis, que mesmo tendo uma saúde debilitada, “era a minha companhia, o meu conforto e segurança”. Uma das últimas palavras de Assis: “Maria eu te amo”
Dona Maria narra com muita altivez sobre a luta para educar os filhos: “vendemos uma vacas, juntamos com outros trocados e compramos uma choupana para dar abrigo aos filhos que estudavam e viviam espalhados nas casas da família” e complementa: “não faltava comida para os meus filhos e a mim e Assis não interessava a quantidade de vestidos ou de calçados que poderíamos ter, mas sim a de alimentos que mandávamos do Sítio para nossos filhos que estavam estudando”. E é com orgulho imenso que mostra aos seus amigos um quadro na parede de seu quarto, onde está emoldurado o diploma de Doutora de sua filha Maria de Lourdes Campos, professora da UFGC, e mais ainda orgulhosa com as belas netas que estão nos bancos acadêmicos e de “alguns que falam umas línguas que não entendo nada”. Lourdes era o “anjo da guarda” de Assis.
O espírito de religiosidade de Assis foi herdado do pai, Seu Noé, que era pedreiro e construiu, tendo como servente Assis, a Capela de São Nicolau, no Distrito de Bom Jesus, aonde todos os filhos foram batizados. Esta capela tem uma áurea de luz e um significado profundo entre os membros das famílias Campos/Vieira. As orações e celebrações têm mais valor quando feitas nesta capela, que é simbolizada como uma “Catedral de Sonhos”.
Jeová, o timoneiro da família, tinha como referência de vida Assis de Noé, que não era apenas pai, mas um amigo leal, provedor e conselheiro e o grande responsável pelas sementes que plantou, que ao longo da vida as regou e cuidou para florescer e dar frutos. Os frutos gerados por Maria, o grande amor de Assis.
A família de Assis, por qualquer motivo faz uma festa e uma das características é a abundância de comida. Era homem de barriga cheia. Independente do número de comensais, jamais “a panela” de Assis e Maria foi furada. A “turma do alho”, como é também conhecida, em suas festas comemorativas só tem hora para iniciar, nunca para terminar.
A família Campos/Vieira perdeu Assis de Noé, neste último dia 11 de agosto e seu corpo foi velado em sua residência, na Rua 13 de Maio, em Cajazeiras, e depois transladado para a casa onde viveu e constituiu a família, no Poço Vermelho, no Distrito de Bom Jesus, município de São José de Piranhas, aonde depois de uma missa, na Capela de São Nicolau, assistiu-se ao maior sepultamento já visto naquela localidade, sob aplausos e lágrimas.
Assis é, indiscutivelmente, um herói, que deixou uma obra que nem o tempo apaga e um legado de fé, honradez e trabalho, simbolizado por sua grande família e deixa na poeira do tempo como herança o saber e o caráter, valores indivisíveis, que ninguém os roubará e os seus feitos que nem a história permitirá ser esquecida.
Viva Assis de Noé, o cantador de benditos, que morreu rezando.
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