Matriarcado em Cajazeiras?
Caminha pelos céus da minha memória, uma vaga lembrança das conversas que ouvia da minha avó paterna, de nome Isabel, sobre a predominância e o poder que as mulheres de Cajazeiras arrebatavam e exerciam sobre a cidade. Muitas, anonimamente.
Ao ingressar na Universidade Católica de Pernambuco, em 1968, para o Curso de História, no primeiro dia de aula, quando me identifiquei, a minha saudosa professora, foi contundente comigo: você é de uma cidade aonde quem mandam são as mulheres.
Ainda hoje me pergunto: será verdade? Que fique claro: machismo jamais. Defendo direitos iguais.
Vamos buscar a resposta da minha professora e as falas da minha avó. Por que só se fala em mãe Aninha? O Padre Rolim teria tido pai? Com certeza. Por que ele, Vital de Sousa Rolim, fundador da cidade nunca é citado ou lembrado? Os livros de História nos ensinam que foi Mãe Aninha, com outras mulheres, que construíram a Igreja aonde seu filho Inácio iria rezar as missas, depois de ordenado sacerdote, em Olinda – Pernambuco. O Santo escolhido por Mãe Aninha para ser venerado, que depois se tornou Padroeiro da cidade foi Nossa Senhora da Piedade. Que bom! Só o seu grande manto de mulher para cobrir e proteger a todos nós.
Nas décadas de 20 e 30, circulou em Cajazeiras, durante 11 anos a Revista Flor de Liz, órgão da Ação Católica de Cajazeiras, cuja diretoria era formada exclusivamente por mulheres.
Durante um longo período existiu uma Associação formada por mulheres católicas para determinar, como se fosse uma lei, o modo de dançar, de vestir, de trajar, e se comportar em lugares públicos e até reservados, na sociedade cajazeirense, os homens e as mulheres. Esta entidade já foi tema de trabalho para conclusão de um curso de especialização, do ex Campus V, da UFPB. Durante as reuniões eram duramente criticadas as mulheres e até os homens que fugiam das regras determinadas.
As mulheres de Cajazeiras sempre foram extremamente protegidas e respeitadas. Até na Igreja o zelo era excessivo. Lembram-se do tempo em que Mons. Vicente Freitas foi vigário da Catedral de Nossa Senhora da Piedade? Mulheres de um lado, homens do outro.
No Campus V, da Universidade Federal da Paraíba, foi criado um Núcleo só para fazer estudos sobre a mulher sertaneja. E está fazendo bastante sucesso e tem se manifestado em vários momentos na vida da cidade, principalmente quando se trata da defesa da mulher.
A escritora cajazeirense Rosilda Cartaxo, segundo informações, escreveu um livro sobre as “Mulheres do Oeste”, depois de já ter escrito, outro dedicado exclusivamente às mulheres, denominado “Primeiras Damas”. Quem sabe, a partir destes livros nós tenhamos respostas mais concretas sobre as conversas da minha avó e a referencia da minha professora?
No sertão da Paraíba, quando não se pensava sequer que uma mulher tivesse um mandato, em Cajazeiras, já elegíamos Rita Assis e Anita Caetano para a Câmara municipal.
Num momento tenso da vida política de Cajazeiras, quando o governador João Agripino, mandou um batalhão de soldados armados de metralhadoras, abrir o comércio de Cajazeiras, que havia fechado em sinal de protesto às atitudes fiscais de seu governo, quem o topou de frente e o respondeu através de uma carta aberta foi a revolucionária Ica Pires. Nenhum homem desta cidade teve sequer a coragem de alterar a voz contra João Agripino. Cabe mais uma pergunta: qual a origem de tanta força das mulheres cajazeirenses? Comenta-se que todas as mulheres, esposas dos nossos grandes coronéis, os homens ricos da cidade, ditavam, sem pestanejar, todas as regras, até as de ordem política, a serem executadas na terra de Mãe Aninha.
No passado recente, tivemos a força conjugal e política da Deputada Zarinha Leite. Em toda a história da cidade de Cajazeiras, até então, indiscutivelmente, nenhuma mulher deteve tanto poder: esposa do prefeito Epitácio Leite e deputada estadual, fato que se repetiu na última eleição com o casal José Aldemir, prefeito de Cajazeiras e sua esposa, Dra. Paula, como deputada estadual.
Quem desconhece a força de uma Lica Dantas, de Vitória Bezerra, Biva Maia, Rosinha Tavares, Conceição Freitas, Ana Salles, Teté Assis, Adalgisa Mattos de Sá, Letícia Botelho, da vereadora Maria do Carmo e outras centenas de mulheres que ajudaram a transformar esta cidade que tem nome feminino: Cajazeiras.
Desculpem-me as santas mulheres da minha terra, mas não posso deixar de falar também de Lilia, a das mangueiras, a única a projetar o nome desta bendita terra pelos quadrantes do meu Brasil. Telefonema do Oiapoque ao Chuí, indagaram quem era esta personalidade cajazeirense que tanta polêmica causou nesta cidade a ponto de se transformar em noticia nacional?
Esta é a minha cidade, talhada ao molde de Mãe Aninha, como se suas mãos fossem feitas para construir com grandeza e magnitude uma grande civilização e que sua alma fosse gêmea de todas as outras almas das grandiosas mulheres cajazeirenses, baluartes que são na defesa intransigente de uma sociedade mais pura, mais humana, sem aquelas mazelas próprias de um mundo cheio de pecados. Pecados que podem ser lavados nas mansas águas do Açude Grande, construído por Mãe Aninha ou perdoados por Padre Raimundo Rolim, sobrinho em grau distante, também de Mãe Aninha.
Só não desejo que esta lembrança se apague da minha memória: as palavras da minha querida avó Isabel, nem as aulas da saudosa professora Toinha.
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