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Adjamilton Pereira

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Lembranças do Mangangá

14/06/2011 às 23h04

O lugar chama-se Mangangá. Uma referência ao besouro de mesmo nome que tem como habitat preferido ocos de paus onde faz um barulho considerável. O barulho que o lugar Mangangá fazia, em, minha infância, vinha das constantes desavenças que seus moradores promoviam e que tinham com origem as mais diversas e, muitas vezes, banais motivações. Uma rusga entre vizinhos, uma galinha que invade o território de outro morador, um ovo inadvertidamente apropriado por outro, um xingamento de criança assumido pelos adultos, algumas acusações sobre infidelidade nunca comprovadas. Tudo era motivo para acender o estopim do besouro.

Mas o Mangangá sempre foi um lugar aprazível, de pessoas de bem que, em sua simplicidade, tocavam a vida com dignidade e parcos recursos vivendo entre sonhos e cotidianos de casas de taipas que nas noites sertanejas enluaradas pontilhavam o chão com retalhos de luz. Um lugar de casebres singelos, como o que habitava Miana e João Alexandre, compadres de meus pais e senhores de uma prosa rasa e sincera. Ou a casa de alvenaria sem reboco de minha irmã de umbigo, Francisca, e seu marido Batista Borges. Uma casa que sempre era parada obrigatória para se beber um caneco de água quando voltávamos na lida na Malhada Vermelha. Um gole de água refrescante, uma xícara de café e uma conversa animada.

No Mangangá da minha infância as desavenças eram facilmente solucionadas com os sensatos conselhos de meu pai. Antigas amizades estremecidas eram revigoradas nas troças e brincadeiras das catas de algodão e nas lavagens de roupa nos açudes e cacimbas da região. Neste lugar perdido nas lembranças de minha infância, predominava o sabor da galinha servida nos jantares festivos em dia de renovação na casa de Batista Borges ou na risada solta de Zefa Borges sonhando com um mundo distante do sul maravilha para onde as secas lhe tangeram mais tarde.

Hoje, o Mangangá ainda é um lugar barulhento. Mas a simplicidade de seus moradores se desencantou com a violência que a modernidade trouxe com a rodovia federal e os dois postos de gasolina construídos na bifurcação da rodovia com a estrada estadual. O local passou a ser ponto de venda e consumo de drogas, como maconha e crack, e de prostituição, sobretudo de adolescentes em pleno desabrochar da vida. A degeneração da vida contamina as relações humanas e atrofia valores como respeito e boas regras de convivência. Uma violência que afeta, indistintamente, crianças, jovens e velhos. E o Mangangá de hoje não sabe mais quem é o besouro que lhe deu batismo. Apenas que as soluções para os conflitos surgem da maneira mais inusitada e violenta, ou seja, na força física de tapas e bofetões ou na agressividade de uma arma letal. E o lugar perdeu a inocência de minha infância.
 


Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.

Adjamilton Pereira

Adjamilton Pereira

Adjamilton Pereira é Jornalista e Advogado, natural de Cajazeiras, com passagens pelos Jornais O Norte e Correio da Paraíba, também com atuação marcante no rádio, onde por mais de cinco anos, apresentou o Programa Boca Quente, da Difusora Rádio Cajazeiras, além de ter exercido a função de Secretário de Comunicação da Prefeitura de Cajazeiras.

Contato: [email protected]

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Adjamilton Pereira é Jornalista e Advogado, natural de Cajazeiras, com passagens pelos Jornais O Norte e Correio da Paraíba, também com atuação marcante no rádio, onde por mais de cinco anos, apresentou o Programa Boca Quente, da Difusora Rádio Cajazeiras, além de ter exercido a função de Secretário de Comunicação da Prefeitura de Cajazeiras.

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