Súplicas sertanejas
Por José Antonio
“Súplica Cearense” é uma composição de Gordurinha e Nelinho. A música ficou eternizada na voz de Luiz Gonzaga e foi gravada por Elba Ramalho, Wagner, Vanusa, Carmélia Alves entre tantos outros. Esta belíssima canção é uma oração que retrata o sofrimento causado pela seca e que fez muito sucesso na década de 60.
Seus versos: “Ó Deus, perdoe esse pobre coitado/ Que de joelhos rezou um bocado/ Pedindo pra chuva cair sem parar. Ó Deus, será que o senhor se zangou/ E só por isso o sol se arretirou/ Fazendo cair toda a chuva que há. Senhor, eu pedi para o sol/ Se esconder um tiquinho/ Pedi pra chover/ Mas chover de mansinho/ Pra ver se nascia/ Uma planta no chão”, espelha o atual momento em que vivemos no interior do sertão nordestino. O sertão, depois de três anos de seca, vê seus açudes tomarem água e seus campos cobertos do verde, cor da esperança.
As chuvas abundantes varrem as terras do sertão, alcançam as catingueiras, a inundação, em algumas áreas, cresce e atinge os cascalhos, mata os bichos, ocupa grotas e várzeas. Até os tabuleiros estão atolando. O trovão ronca no espaço e rompe o silêncio da noite iluminada pelo brilho do relâmpago, mostrando as nuvens carregadas de chuvas e acompanhadas de muitos ventos que arrancam as sucupiras e as imburanas e deita pelo chão o milharal, plantado em dezembro.
Nas bacias de alguns açudes não deu tempo arrancar das vazantes as batatas e colher os jerimuns e muitos não suportando o volume das águas vomitaram e deram vida aos leitos dos rios secos e a Acauã, que vivia cantando, durante o tempo do verão, “no silêncio das tardes agourando, chamando a seca pro sertão”, do alto da aroeira, silenciosa, se protege das chuvas e dos ventos e ouve a alegria do inverno com o canto do sapo, da jia, da rã, da peitica e do bacurau que anunciam mais chuvas no sertão.
O pasto cresce no campo, as árvores se enfeitam, o gado fica com o pelo brilhando, os bodes ficam berrando e a cachorra baleia, de rabo cotó, latindo no terreiro de casa, acompanhada pelo canto das guinés e o cocoricar das galinhas. Estas imagens tornam o sertanejo muito feliz e alegre e o faz também cantarolar a música de Luiz Gonzaga: “Ai, São João/ São João do Carneirinho/ Você é tão bonzinho/ Fale com São José/ Fale com São José/ Peça pra`le me ajudar/ Peça pro meu mio dar/ Vinte espigas em cada pé”.
A chuva representa para o sertanejo o maior e mais belo espetáculo da natureza. O sertão de amargo e esturricado, com as chuvas, passa a ser doce e florido, a noite escura se enfeita com vaga-lumes, as manhãs são rompidas pelo canto dos pássaros, pelo relinchar do jumento, pelo cantar do sapo anunciando a desova, pelos gaviões rompendo o céu atrás da juriti.
Já imaginou se o nosso sertão fosse sempre assim, com chuvas regulares, sem a seca braba que afugenta os seus filhos para rincões distantes, causando saudade, dor e sofrimento, a exemplo do que canta Luiz Gonzaga em Asa Branca: “entonce eu disse, adeus Rosinha,/ guarda contigo o meu coração…/ Hoje, longe, longe muitas léguas,/ numa triste solidão,/ espero a chuva cair de novo/ pra mim vortá pro meu sertão…/ Quando o verde dos teus óio/ se espaiá na prantação/ eu te asseguro, num chore não, viu/ que eu vortarei, viu, meu coração…”
A seca fez muitos sertanejos desertarem de sua terra. Uns se deram bem, outros se lascaram, outros tantos foram lembrados nos versos e na música “Paraíba”, de Luiz Gonzaga: “quando ribaçã de sede/ bateu asas e voou/ foi aí que vim m`embora carregando a minha dor/ Hoje eu mando um abraço pra ti, pequenina Paraíba, masculina, muié macho sim senhor…”
Os rios e os riachos do sertão estão transbordando e suas águas saem do leito, e exemplo do Rio Nilo, vão deixando adubadas as suas ribanceiras para uma colheita maior e melhor. O sertão é assim, imprevisível, cheio de surpresas e quando a chuva chega, mesmo dando muitos prejuízos, os sertanejos transbordam de felicidade, mas suas súplicas continuam: “Ó Deus, se eu não rezei direito/ o senhor me perdoa/ eu acho que a culpa foi/ desse pobre que nem sabe/ fazer oração…/ pedi pra chover/ mas chover de mansinho…” a questão é, como diz o matuto, calejado de tanto sofrimento: “quando Deus manda, manda sobrando”.
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