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Adjamilton Pereira

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Sons e tons

04/09/2013 às 12h09

De repente, um lampejo de memória me transporta para um tempo que submerge nas brumas da saudade e da distância, assumindo a configuração de quimera, à medida que os dias passam. Alguns sons de cantigas de roda invadem minhas narinas com os cheiros da poeira que subia dos terreiros nas bocas de noite. Três, três passará; Fui a Espanha. Gritos e risos infantis se dissipam no ar enquanto jovens constroem futuro e sonham possibilidades nas brincadeiras de Lado Direito. Nas calçadas conversas masculinas tramam o cotidiano e trançam laços de sociabilidade e comunidade entre esperanças de invernos benfazejos e fartas safras de algodão. Na cozinha aquecida pelo calor de fumacentos fogões a lenha e trêmulas luzes de lamparinas mulheres trocam aventuras e dissabores de casamentos, maridos e filhos entre os sabores e aromas de cafés e chás de capim santa, laranja e erva cidreira.

Cenas e contextos que, em minha infância, são corriqueiras manifestações sociais que emolduram novenas e renovações celebradas como expressões de fé e formas de apertar os vínculos de parentesco e vizinhança. Eventos que seguiam um fantástico calendário preenchido em todos os meses do ano e que superavam e transpunham obstáculos de riachos grávidos de invernadas, noites escuras de lua e ventos frios de julho. 

Tempos em que os homens se comunicam pelo som e tom da voz sem a intermediação da tecnologia. Tempos em que as conversas são diretas e tratam dos cotidianos comuns a todos, sem a interferência de engenhos que informam o longínquo, mas, ao mesmo tempo, distancia o próximo. Tempos em que as palavras são expressão de sentimentos e não somente, e tão somente, regras e normas ditadas por etiquetas estrangeiras que apartam e isolam. Tempos em que crianças tinham a liberdade de correr o mundo dos terreiros e estradas atrás de carros de lata e velhos pneus improvisados em folguedos. 

Tempos em que bonecas de pano com recheio de algodão eram partilhadas por traquinos ratos que, nas madrugadas silenciosas, sorrateiramente invadiam casas de brinquedos atraídos pelo cheiro dos caroços de algodão. Tempos em que suculentas mangas jasmim são partilhadas por empoeiradas mãos de meninos e meninas entre o estimulante espetáculo de atirar rebolos nas mangueiras em busca dos frutos naturalmente amadurecidos e já sutilmente picados por pássaros e abelhas.

Sons, tons e cores de um tempo piscam intensa e alucinadamente como pirilampos em fins das temporadas invernosas, após alçar vôos dos monturos e troncos decompostos. 

Sons, tons e cores se apresentam borrados e difusos como a teimar em manter-se presente quando são apenas lembranças.


Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.

Adjamilton Pereira

Adjamilton Pereira

Adjamilton Pereira é Jornalista e Advogado, natural de Cajazeiras, com passagens pelos Jornais O Norte e Correio da Paraíba, também com atuação marcante no rádio, onde por mais de cinco anos, apresentou o Programa Boca Quente, da Difusora Rádio Cajazeiras, além de ter exercido a função de Secretário de Comunicação da Prefeitura de Cajazeiras.

Contato: [email protected]

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Adjamilton Pereira é Jornalista e Advogado, natural de Cajazeiras, com passagens pelos Jornais O Norte e Correio da Paraíba, também com atuação marcante no rádio, onde por mais de cinco anos, apresentou o Programa Boca Quente, da Difusora Rádio Cajazeiras, além de ter exercido a função de Secretário de Comunicação da Prefeitura de Cajazeiras.

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