Redução da maioridade penal – desafios e soluções
Decisões de grande envergadura para a vida da sociedade não devem ser tomadas pelos legisladores em momentos de grande comoção popular. Esta influencia e pressiona de tal forma que a lei criada poderá ser vazia e ineficaz. Frequentemente, somos bombardeados através dos noticiários de um grave crime praticado por um menor às vésperas de seu ingresso na maioridade penal que, atualmente, ocorreu aos 18 anos de idade.
Do ponto de vista civil, há a possibilidade prevista no parágrafo único, artigo 5º, do Código Civil, da antecipação da capacidade plena para os atos da vida em sociedade, através da emancipação. Ou seja, a pessoa pode ter reduzida a sua capacidade jurídica para uma idade inferior aos 18 anos, na hipótese de concessão dos pais, casamento, exercício de emprego público efetivo, colação de grau em curso superior ou, finalmente, pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com 16 anos tenha economia própria.
Contudo, importante salientar que, conforme já decidiram diversos tribunais espalhados pelo país, a emancipação civil, por qualquer dos fatos acima citados, é irrelevante em outras esferas jurídicas, como, por exemplo, nas órbita jurídico-penal. Vale dizer que continuam os pais responsáveis pelos atos criminosos praticados pelos seus filhos, mesmo emancipados, pois esta responsabilidade se dá em razão da idade e não em razão da capacidade.
Do ponto de vista Penal, não existe a possibilidade de “emancipação”. Ou se tem 18 anos, ou não responde o pelos próprios atos o menor que comete um crime. A menoridade penal é, inclusive, um dos motivos de “inimputáveis”, ou seja, não se lhes pode atribuir nenhuma pena. É o que determina o artigo 28 do Código Penal Brasileiro (diga-se de passagem promulgado aos 07 de dezembro de 1940).
O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente, ou Lei nº 8.069, de 1990), por sua vez, embora reafirmando a inimputabilidade penal dos menores de 18 anos (art. 104), fala de “atos infracionais”, que são os “crimes”, os “crimes de pequeno potencial ofensivo” (pena prevista de prisão até 02 anos) “ou “contravenções penais” (pena de prisão simples – 15 dias a 03 meses).
Mas, ainda aqui uma definição, para entendermos a questão. Para o ECA, criança é quem tem menos de 12 anos. Esta não comete nem mesmo ato infracional. Caso cometa algo assemelhado, há que serem verificadas algumas situações, como o abandono do Estado, dos pais e a conduta da criança. Constatada a necessidade de intervir, o juiz poderá determinar uma ou mais “medidas de proteção”, que, conforme o artigo 101, do ECA, podem ser desde o compromisso formal dos pais em acompanhar melhor os filhos, ou mesmo a subtração do poder familiar e a inserção da criança em uma entidade familiar substituta que tenha condições de educa-la adequadamente.
Quanto aos maiores de 12 anos e menores de 18, em resposta ao ato infracional, o ECA possibilita ao Juiz a aplicação de uma das medidas sócio-educativas, que, segundo o artigo 112, também do ECA, podem ser desde uma simples advertência até a internação em um estabelecimento educacional. Necessário afirmar que esta “punição” não pode ultrapassar o limite de 03 anos.
Num caso e noutro, tanto criança quanto adolescente, há a aplicação do princípio que rege o ECA, que é o da proteção integral, ou seja, tudo o que o Poder Judiciário decidir, mesmo que seja a supressão da liberdade, o deverá fazer tendo em vista o melhor interesse do menor que, por conta da idade, ainda está em fase de desenvolvimento físico, psíquico e emocional.
É um princípio que deita raízes na nossa Constituição Federal de 1988, particularmente no artigo 227, que afirma ser dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, a tutela dos direitos fundamentais e sociais, como a vida, a liberdade, a saúde, a educação etc.
A esta altura da análise, algumas questões podem surgir. Se um adolescente, na véspera do seu aniversário de 18 anos, comete um ato infracional (um homicídio doloso, por exemplo, em que houve a intenção de atingir o resultado morte), como ele será tratado? Não há dúvidas: como um adolescente. Ou seja, poderá o Juiz, ao final de um procedimento, que se dará inclusive oportunidade do contraditório (ou seja, de ampla defesa), determinar a internação do adolescente, mesmo que, quando da apuração dos fatos, o autor já seja maior. Caso haja decretação de internação por três anos, o infrator voltará ao convívio social aos 21 anos de idade.
Eis o problema. A lei ou, como dizem os pensadores da ciência do Direito, o anacronismo da lei. Em palavras simples: a lei, publicada no passado, não está mais em sintonia com a realidade social. Enquanto entendo, estamos vivendo exatamente isso.
Algumas leis que regulam o Direito Penal aí estão há mais de 70 anos, como o Código Penal Brasileiro, que é de 1940 e que teve pouquíssimas alterações neste período. O próprio Estatuto da Criança e do Adolescente é de 1990, já tendo cumprido duas décadas. Enquanto que no passado não muito remoto, apenas para falar do ECA, existia uma mentalidade, digamos, menos delituosa, hoje a índole criminal parece ser predominante.
A redução da maioridade penal para 16 anos é defendida por alguns e combatida por outros, de modo que o assunto é polêmico. Entram em jogo diversos interesses, inclusive o da criança e do adolescente que, de fato, ainda está em formação. Mas, não podemos esquecer que há outros também, como o da segurança pública, o do direito à proteção da própria vida e do patrimônio, todos reprimidos em nome da proteção integral à criança.
Ninguém mais pode sair de casa a partir das 19 horas em muitas capitais. Em Fortaleza, por exemplo, já se mata mais que em São Paulo (em janeiro de 2013, 163 homicídios aqui contra 109 lá). As drogas, leia-se a morte, estão vencendo a guerra contra a vida de muitos usuários que, entrando neste mundo, somente têm como futuro a cadeia ou a morte (geralmente esta última).
Se ao menos tivéssemos instituições que, de fato, ressocializassem. Mas, não é o caso do Brasil, em que os chiqueiros de porcos são mais limpos que muitos presídios, que também são verdadeiras universidades do crime.
O caso é sério e a redução da maioridade penal volta à tona.
O que propor? Assim como a temática, a solução também é complexa. Como sabiamente guiar a discussão envolvendo direitos dos menores, de um lado, e da sociedade, de outro? Por um lado, menores que são peritos em atirar, manusear facas, experts em organizar assaltos, por outro, a população amedrontada, sem poder sair de casa (limitação ao direito de ir e vir) e uma polícia que, por absoluta falta de condições, não pode atender a todas as ocorrências (no Ceará, por exemplo, fala-se de economia de combustível, mediante não atendimento de ocorrências em determinados horários).
Como se diz no mundo jurídico, nada mais injusto que passar a régua e tratar os desiguais como iguais. A verdadeira justiça é aquela que busca tratar os iguais como iguais e os desiguais como desiguais. Não se pode exigir de um cadeirante que suba as escadas. Há que se trata-lo diferentemente de um não cadeirante, obrigando as instituições a instalar rebaixamentos nas calçadas e rampas de acesso aos pavimentos superiores.
Em vista de uma solução, ousamos fazer os seguintes apontamentos.
Primeiramente, os menores são desiguais, e assim devem ser tratados. Bem verdade que a sociedade, sob esta ótica, está em “pé de desigualdade”, pois a lei parece beneficiar os menores infratores. Adolescentes que comentem atos gravíssimos não são “punidos” como devem (tecnicamente, sequer são punidos).
Em segundo lugar, não se deve deixar de lado a conquista que foi para a própria sociedade o Estatuto da Criança e do Adolescente. Este, com todas as suas falhas, em sua construção contou com a colaboração de diversos segmentos sociais, sendo, portanto, fruto de uma construção coletiva que não pode ser ignorada.
Finalmente, atente-se para a necessidade de atualizar as leis, principalmente as penais, em face da realidade social. Hoje não temos mais crianças e adolescente tão ingênuos e desconhecedores da vida e da morte, com o eram (será que já eram?) as crianças e os adolescente dos primórdios da década de 1990 ou mesmo de 1940 do século passado.
Do equilíbrio de todos estes fatores, sobressai, então, a proposta, já defendida por não poucos, de se elaborar um rol taxativo de infrações que, cometidas por menores de até 12 anos – alguns defendem 15 ou 16 anos –, seriam consideradas crimes (e não meros atos infracionais), sendo os seus autores processados como maiores de 18 anos.
Estaríamos, então, diante de uma espécie de “emancipação penal”, que seria atingida na hipótese do cometimento de alguns crimes, como homicídio doloso, tráfico de droga, estupro ou outros delitos que vierem a ser definidos. Condenados, não seriam estes menores, porém, largados à convivência com maiores, dentro de um presídio, mas, sim, cumpririam suas penas em presídios especiais, em que não fossem interrompidos – ou fossem iniciados – os estudos básico e fundamental.
A pena seria a mesma cominada para cada crime aos maiores de 18 anos, com a possibilidade progressão mais acelerados. Obrigatória nas dependências prisionais seria a presença de, além de agentes penitenciários, psicólogos, pedagogos e assistentes sociais, dentre outros profissionais, assim como obrigatório seria o trabalho (não forçado), instrumento formidável de formação do caráter.
A assistência espiritual, segundo o credo de cada “menor apenado”, seria facultada, tendo em vista a necessidade de se formar/reformar para os valores morais e espirituais. Os pais/responsáveis e irmãos seriam inseridos nesse processo de forma integral, modo a identificar também as fragilidades familiares.
A ressocialização destes menores seria o resultado do esforço comum da União, dos Estados e dos Municípios, dada a gravidade e complexidade da questão. A administração da unidade ficaria a cargo da União (sim, da União, pois há muito dinheiro, por exemplo, para os estádios da Copa, razão pela qual deve haver verbas isto), que contaria com o apoio do Estado e do Município, um a fornecer profissionais, outro a possibilitar a manutenção.
Evidentemente, passaria a ser considerado crime de responsabilidade solidária atribuído pelo chefe do executivo (Presidente, Governador e Prefeito) a negligência quanto à competência de cada ente federado, em qualquer que unidade prisional.
Os parlamentos federal, estadual e municipal não poderiam, de forma alguma, deixar de lado a sua missão institucional de fiscalizar a execução do que pontificaria a nova lei, sendo criadas comissões de acompanhamento direto das atividades prisionais. O juizado das execuções penais, por sua vez, cumpriria o seu mister de dirigir a execução da pena, dando imediata, pública e notória publicidade, mas também tomando providência processuais, a qualquer irregularidade constatada pelos envolvidos.
Defendo, portanto, a redução da maioridade penal para os 16 anos, nestes termos. O Estado precisa se adequar à nova realidade, em que não há mais menores ingênuos e dóceis. Há verdadeiros bandidos que, talvez, não tenham culpa de ser o que são, mas que precisam ser “reformados”, em nome da possibilidade de se viver em relativa paz social.
A convulsão social em que vivemos é digna das mais sangrentas batalhas. Não se morre numa guerra como se morre no Brasil. Os direitos de uns (a sociedade) não podem ser tolhidos sob o pretexto de se assegurar direitos de outros (crianças e adolescentes). Estes, na verdade, são verdadeiras vítimas da falta de uma moderada rigidez legal com que são tratadas pela legislação atualmente em vigor.
Assim como um pai precisa educar o filho por meios às vezes dolorosos (não me refiro aqui à agressão física e psicológica), a sociedade precisa, também, tratar as crianças e adolescentes com seriedade, mostrando-lhes, respeitada a sua limitação intelectual, a gravidade de seus atos.
Sonhar com uma sociedade pacífica não é proibido.
Sonhemos, então.
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