Rato Branco Ainda Clama Por Justiça
A Campanha da Fraternidade deste ano nos impõe sérias e urgentes reflexões. A proposta envolve-nos a todos, a saber, a questão da segurança pública. Começou na quarta-feira próxima passada e tem por tema “Fraternidade e Segurança Pública” e por lema “A paz é fruto da justiça”.
Se, por um lado, é um convite a remexermos, sim, no passado ainda não tão transparente, por outro é um apelo a ajudarmos as instâncias dedicadas à segurança pública a refletir suas lacunas e abrirmos um diálogo franco em vista de soluções.
Em nosso contexto regional, perguntas ainda estão sem respostas: para os mais velhos, ficou no ar o caso de “Rato Branco” (um menino de Cajazeiras que cometia furtos aqui e ali e, um dia apareceu morto), certamente já prescrito; para os mais novos também está in albis o resultado do inquérito em torno daqueles meninos que foram “desovados” na estrada que dá acesso a Ipaumirim.
A sociedade exige respostas. Por que não as tem? Quem de tão importante está por trás destes casos? Quem os protege? Por que seus nomes não vêm à tona e eles não pagam pelos crimes que cometeram? Vivemos num Estado organizado, ou ainda em tempos de selvageria, em que a vontade de um se sobrepõe à base da força à dos demais?
Do mesmo modo, indo mais além na reflexão, precisamos urgentemente apontar e concretizar soluções que tocam à população (à superpopulação) carcerária, ao modo como os apenados são tratados (como bicho ou como gente?), ao fato de daqueles que já deveria estar livre ainda estão privados de sua liberdade, à escolha técnica (e não política e completamente absurda) dos agentes (diretores de presídio, agentes penitenciários) que com eles trabalharão, ao modo de ressocializar quem já cumpriu sua pena e carrega para sempre o estigma de “ex-presidiário”, sem falar nas urgentes necessidades estruturais que temos, considerando as duas finalidades da pena: o delinqüente não apenas deve retribuir à sociedade pelo crime que cometeu, cumprindo pena cominada no Código Penal, mas também deve encontrar no aparelho penitenciário meios de reeducar-se, de modo que, uma vez livre, a sociedade tenha confiança nele.
A mesma reflexão deve direcionar-se às instâncias públicas, no intuito de apontar os problemas e resolve-los: é inadmissível que não haja numa delegacia de polícia judiciária papel para imprimir Boletins de Ocorrência, é incompreensível que viaturas da Polícia Militar tenham que ser empurradas para pegarem “no tranco”, é inaceitável que os agentes de segurança pública sejam tão maltratados em sua profissão de alto risco, recebendo salários irrisórios, e é lastimável que juízes, desembargadores e ministros, os guardiões da lei, sejam acusados de venalidade, ao venderem sentenças, beneficiando-se de “suas” vítimas.
Não se trata de, agora, bombardearmos acusações infrutíferas, mas de tomarmos consciência da situação, de julgarmos tudo isso perante a vontade de Deus e de tomarmos em nossas mãos o presente e o futuro. O lema da campanha traz a afirmativa de um dos salmos da Bíblia, segundo o qual a paz tão sonhada é consequência da justiça; ou seja, onde não há justiça, não há paz.
É preciso saber que a aspiração à justiça é um dever de todos os cidadãos, não excluído nenhum que, com todas as forças, deve batalhar para que haja, um dia, paz. Rudolf von Ihering, em “A Luta pelo Direito”, afirma que negar-se a defender o próprio direito e o dos demais é, em si mesmo, um crime. Trata-se de um imperativo moral, ao qual todos nós devemos atender.
Quem quiser se furtar desta reflexão e da busca de dias melhores não deveria reclamar de nada, pois, certamente, já considera o mundo em estado de perfeição. Os que quiserem entrar na “roda do diálogo” é bem vindo, mas deve vir pronto para colocar o dedo na ferida. Não seja esta Campanha da Fraternidade apenas mais uma entre tantas que não dão em nada, ou que é vivida apenas na Quaresma.
Ajude-nos Deus a alcançarmos em dias melhores, em que haverá paz consolidada pela justiça colocada em prática, sem acobertamentos e sem impunidades.
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