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Radomécio Leite

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Perambulando

27/07/2009 às 11h18

Por José Antonio

No último domingo sai da rotina. Não fui olhar as garras de terra, a meia dúzia de bodes e nem tomar banho nas águas do Rio Piranhas. No período da tarde resolvi perambular por algumas ruas da minha enamorada Cajazeiras. Há tempos não dedicava algumas horas para pisar o seu solo, beijar a sua face alegre, abraçar as suas árvores e relembrar o passado e ficar imaginando fatos acontecidos em suas vielas, becos, ruas, praças e avenidas.

Domingo à tarde, o som de uma radiola quebrava o silêncio avassalador e um bêbado solitário, com um cigarro entre os dedos, escorado num poste, tentava cantar a mesma melodia tocada pela radiola: “eu cheguei em frente ao portão/meu cachorro me sorriu latindo”. Era voz de Roberto ou de Erasmo?

Andei mais, andei mais e algum tempo depois, após curvas, tropeços e sacolejos cheguei a Praça Coração de Jesus e um silêncio quase sepulcral invadia todos os seus recantos e lembrei-me que naquele local antes existia cravado o primeiro cemitério público da Paraíba, construído por Padre Rolim, em 1827, cujos restos mortais, de alguns, dos ali sepultados, foram “removidos” para o atual Cemitério Coração de Maria no ano de 1886. A cidade crescia e o cemitério teria que “sair do centro da cidade”. Que pena que naqueles tempos ainda não existia o Ministério Público para impedir tão bárbaro crime contra o patrimônio do povo e de respeito à memória dos mortos. Quando da implantação, na época de Ernani Sátiro, do sistema de esgotamento sanitário, as valetas profundas escavadas no leito da praça, descobriu-se vários restos mortais de cajazeirenses ali sepultados.

O velho pé de trapiá, onde os pássaros se refugiavam para passar a noite já não existe mais e de repente me lembrei que nas noites de festas, sob as suas frondosas galhas, ficávamos a chupar abacaxi vindos de Sapé. Já não se faz mais festas natalinas como nos velhos tempos. Nem sequer tem mais gelo raspado com xarope de baunilha e morango e nem mesmo rolete de cana caiana que fazia a festa da gurizada, antes e depois da missa natalina celebrada na Igreja Matriz de Nossa Senhora de Fátima por Monsenhor Abdon Pereira.

Andei mais e passei pela antiga feira da farinha, na parte estreita da Juvêncio Carneiro e entrei no Calçadão da Tenente Sabino e parei em frente onde funcionava a gráfica de Horácio Alves Cavalcanti, um dos homens mais requisitados da cidade, um mestre na arte da impressão e da composição das chapas. Dava prazer ficar ouvindo o ronco de suas máquinas e o silvo dos papeis ao entrar e sair de suas impressoras sob o olhar vigilante do mestre Vilar.

O silêncio continuava a tomar conta da rua. Nenhum transeunte, nem um pé de viva pessoa. Passei defronte do que foi o consultório de Otacílio Jurema e do escritório de Dr. Zuca Peba. Num se curava o povo das mazelas do corpo, noutro o cidadão ficava curado do bolso com o dinheiro que Dr. Zuca emprestava. Era o banqueiro mais rico de Cajazeiras. Ambos os prédios, de beleza rara, foram destruídos, postos por terra.

De repente o silêncio foi rompido: o relógio da Catedral dava quatro badaladas e foi que me lembrei de Monsenhor Vicente Freitas, cajazeirense ilustre que amava esta cidade profundamente de alma e corpo. Foi ele que saiu de casa em casa, de loja em loja, pedindo dinheiro para comprar o maior relógio que conheço em toda Paraíba. Foi uma campanha vitoriosa.
E na caminhada uma infinidade de emoções continuava a acontecer. E como um eterno sonhador, cheio de ideais e com um otimismo inveterado senti um pouco de inveja dos sousenses. E pensei: se lá morasse comprava uma bicicleta para passear pelas suas planas ruas. De tantas subidas e descidas, já estava começando a ficar cansado.

Mas consegui chegar até a Rua Barão do Rio Branco, conhecida por Rua dos Ricos, talvez porque ali residia Antonio Cartaxo Rolim, o dono do Banco Agrícola de Cajazeiras e que foi prefeito de Cajazeiras. Esta rua era também repleta de poesia simbolizada por seus moradores, em Cristiano Cartaxo e Teté Assis. Mas é nesta rua onde esta o Estádio Higino Pires Ferreira, palco das mais belas tardes de domingo vividas pelos apaixonados do futebol. Mas de repente me dei de conta: não era este o meu destino, mas sim o Perpetão para assistir Atlético e Paraíba jogar pela segunda divisão do campeonato paraibano. Errei o caminho, perdi o jogo, mas retirei do fundo da memória muitas lembranças e vivi muitas outras emoções, talvez bem mais do que as que seriam proporcionadas entre os dois times de Cajazeiras. Até outro domingo, quando voltarei a perambular pelas ruas de minha Cajazeiras, mas desta vez sem errar o destino, mas com as mesmas emoções.

Radomécio Leite

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Contato: [email protected]

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