O tal cidadão de bem
Dentre as muitas personas de nossa época, uma tem se destacado como nenhuma outra: “o tal cidadão de bem”. Uma figura aparentemente inofensiva, mas que se transforma no Incrível Hulk ao se sentir ameaçada.
O tal cidadão de bem, emblemático em seus dogmas e visões radicais, assiste a um único tipo de noticiário (o mais conversador possível) e a partir desse reproduz verdades cristalizadas, ainda que essas certezas sejam contrárias aos seus direitos. Por exemplo, para ele as reformas que diminuem as conquistas dos trabalhadores são necessárias, afinal “o governo não tem que criar uma cambada de vagabundos que tem preguiça de trabalhar.”. Sobre o termo “vagabundos”, também se insere qualquer jovem que opte pelos estudos e não pelo trabalho, pois no tempo do tal sujeito “menino pegava no pesado desde cedo e por isto mesmo não tinha chance de dar para o que não presta”.
Na cabeça desse indivíduo o mundo divide-se em duas partes: a primeira, time do bem, da família, dos costumes; a segunda, legião da perversão, da escória, da ameaça. Aliás, a ameaça é uma palavra constante em seu vocabulário, o mais diminuto gesto pode ser encarado como um ataque. Uma novela das nove com um casal gay pode destruir sumariamente a família tradicional brasileira, a mesma que testemunhou durante décadas protagonistas machões que abandonam esposas e filhos para viver de aventuras. Acontece que para o tal cidadão de bem, o machismo é um princípio e assim como uns defendem a ideologia de gênero, ele honra pelo sistema que manteve e ainda matem a sociedade organizada.
O tal cidadão de bem não comenta sobre o homem que ejaculou no rosto da mulher no ônibus, muito menos sobre o menino que permaneceu dias na cadeia com um torturador. Porém, se uma exposição artística contém uma cena de nudez, eis o apocalipse. E, então, começa o papo que nossas crianças e jovens precisam de educação e orientação, que não podem ficar vulneráveis a situações sórdidas e imorais; ao mesmo tempo, o tal sujeito é a favor da pena de morte para menores infratores, argumenta que se esses podem votar, já são grandes o suficiente para ter uma mão ou braço decepados ou testa tatuada para aprender a nunca mais roubar.
Por mais bizarro que pareça, o tal cidadão de bem é favor da ditadura, de seus grandes feitos, de sua imponência, de seus comandes e generais. Ele conversa apenas com outros tais cidadãos de bem por não suportar ouvir outra voz, outro discurso, outro olhar sobre o mundo. O tal cidadão de bem se trancafiou em uma casa, localizada em uma viela, sua rua está pegando fogo e ele não sabe da chave, pois nunca soube o que era se abrir para o espetáculo de cores que emana nossa existência.
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