O silêncio do palhaço
Pelas ruas da cidade ecoa o som triste de um surdo anunciando a morte do palhaço. Pelas vielas e ruas tortuosas da zona sul onde, outrora, tua escola de samba reinava majestosa, metamorfoseando em alegria e esperança as agruras e dissabores do cotidiano de uma gente simples e pobre, tangida para a margem da vida e invisível aos olhos governamentais, hoje ressoa o silencio de tamborins e o solo triste de uma passista que ensaia passos melancólicos como a chorar a partida definitiva de seu mestre. As fantasias e alegorias improvisadas da pobreza material não mais resplandecem o falso brilho das lantejoulas e falsas pedras que emprestavam realidade majestosa a vida sofrida e esquecida de tua gente.
Pelas ruas da cidade, durante a folia momesca, não mais ressoa o som seco e fantasmagórico de teu jaraguá, que espantava a molecada mais tímida com sua indumentária exótica e atraia cordões de risos e alegrias em teu caminho. A Praça João Pessoa ficou silenciosa com a ausência dos antigos carnavais e os blocos do mela-mela que antecipavam a passagem de tua escola de samba. O som dos festivais da canção emudeceu com a desclassificação definitiva do teu mais espalhafatoso concorrente. Um compositor modesto, mas que, com letras simples e melodias singelas, arrastava platéias ensandecidas pelos versos comuns de homenagem ao Padim Ciço, de flagrantes da cidade, seu cotidiano e sua gente.
Conheci João de Manezim no início da década de 1970 quando vim estudar em Cajazeiras. Acompanhei, embevecida a sua maratona de resistência em cima de uma bicicleta. Depois, ingressando no Colégio Estadual, o conheci mais de perto, pois ele era porteiro daquele estabelecimento. Em inúmeras oportunidades, o retirávamos de suas funções para que ele completasse o time de voleibol do colégio, permitindo que conseguíssemos treinar. Ele, de maneira engraçada e sorrateira, colocava o cadeado no portão e se transformava no décimo segundo jogador de vôlei, para desespero de Zélia Ribeiro, á época vice-diretora do Colégio, e que se indignava com a desobediência de seu subordinado. Fomos campeãs escolares da cidade em um ano que não me recordo. E nossas singelas medalhas tinham um pouco do esforço e da desobediência de João de Manezim.
Mais tarde, o acompanhei como vereador. Seus discursos engraçados e diretos mostravam a cara de um povo verdadeiro que encara a política como um grande espetáculo circense. Suas frases atrapalhadas ao rotular os “anchietas do PT” se referindo aos radicais do Partido dos Trabalhadores que a mídia designava de xiitas, ou quando pede a palavra a um dos oradores e afirma: “adoço tudo o que o nobre colega falou”, referindo-se ao fato de endossar, ou seja, concordar com a posição do parlamentar, integram o vasto acervo de sua biografia de vida.
No cotidiano ou na política, o palhaço João de Manezim fez da vida um enorme picadeiro onde, a pobreza do circo mambembe, com sua lona rota e esburacada deixava vazar rastro de luz que pontilhavam de estrelas o chão de sua caminhada e contagiava de esperança tantos esquecidos e marginalizados da zona sul, abençoados pela pequena capela de São Francisco, por você erguida como gratidão pela singeleza e pela alegria
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