O senador de Dorgival Terceiro Neto
Por Francisco Frassales Cartaxo – Dorgival foi tomar um cafezinho no Ponto de Cem Réis, onde não costumava ir com frequência. Fumante compulsivo, o café não passava de tolo pretexto. Ele sabia que àquela hora, em ano de eleição, no centro de João Pessoa a conversa era só miolo de pote, o que o deixaria ainda mais irrequieto. Para seu azar, surge um velho conhecido com inseparável gravata, o palitó um pouco amarrotado, pose de coronel do sertão, esbanjando intimidade que nem candidato a procura de voto, ao emburacar na casa do eleitor até a cozinha.
– Foi Deus que me trouxe aqui… queria muito falar com Vossa Excelência, meu eterno prefeito desta linda capital, que a fizeste mais encantadora ainda!
Se Dorgival já estava agoniado, agora sim, de repente se sente enlaçado diante daquele inesperado encontro, o homem a encarrilhar um discurso com os floreios típicos dos tribunos paraibanos, à moda Alcides Carneiro, ou mudava, bruscamente, para a linguagem seca, direta, de frases curtas, cortantes, incisivas de José Américo, na Praça da Bandeira em Campina Grande, chegando a trincar os dentes na imitação grotesca do grande ídolo político, a agonia de Dorgival num crescendo, tornando-se agruras, acendendo o cigarro no outro, o homenzinho a exaltar-se com a própria eloquência, já agora assumindo a roupagem poética de Asfora, que do alto da Borborema ouvia o ranger dos carros de boi do sertão, sentia o cheiro do melaço dos engenhos do brejo e escutava o murmúrio das ondas na praia de Tambaú…
– Me diga só uma coisa, meu eterno governador, você que é homem de sinceridade…
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– Sim, sim, desembuche logo a pergunta, vá criatura, desembuche.
– Você acha que eu tenho credenciais para ser senador? Me disseram que eu levo jeito, sussurrou. Quando termino minha oração, já não aguento mais de tanto abraço… até me chamam de senador.
Dorgival não pensou nem um segundo.
– Você fez cirurgia de catarata?
– Já, já, tô enxergando tudo.
– Você já extraiu a próstata?
– Próstata? Já… quer dizer, mexeram mas deixaram um resto.
– E operação de hemorroidas?
– Ah, não, hemorroida, não!
– Então, compadre, você não pode ser senador.
Dorgival escapuliu pela Duque de Caxias, com aquele riso de mistura com muxoxos.
Após reconstruir com imaginação a cena, volto às Pequenas histórias para quem tem preguiça de ler as grandes, de Ramalho Leite, leitura adequada à morrinha da gripe que me pegou, apesar da vacina.
Sócio do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano
Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.
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