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Mariana Moreira

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O meu Natal

27/12/2019 às 11h04

Coluna de Mariana Moreira

Nascida em uma família cristã de pequenos agricultores e vivendo na zona rural até os dez anos, o Natal se institui em minha vida como festa, celebração e reverência. Assim, a festa do Natal se apresenta em minha vida como espaço de alegria e cuidado. Jamais, como ritual social de troca de mensagens vazias e presentes inanimados.
O meu Natal tinha bolos de milho, adoçados com rapadura, preparados de forma familiar, e assados em forno de lenha. E, quando os invernos e safras de algodão abundavam, tinha bolos de “massa do reino”, adoçados com açúcar.

Bolos que, em quantidade mínima, eram fatiados para compor parte do jantar da noite de Natal e a “merenda” no dia seguinte. Momentos que me inquietavam saber se, na noite de Natal, José e Maria, ao encontrarem abrigo em um estábulo, conseguiram dividir algum alimento. Ou estavam famintos como milhões de, hoje, descendentes seus e nossos que, nos “iemens”, “áfricas”, “américas”, definham e agonizam ao sabor das fartas ceias de Natal que, hipocritamente, celebram a chegada do Deus Menino em mesas ricamente ornadas com fantasias de mundos solidários e quimeras de fraternidade.

O meu Natal tinha lapinha da Capela de Fátima onde, com rara frequência, tínhamos missas nas noites de Natal. Uma lapinha que encantava e seduzia a cabeça infantil de ver um menino que, nas lições de catecismo aprendidas nas aulas paternas, tinha a dimensão de um “rei”. Um menino deitado em palhas e acolhido por bois, ovelhas, jumentos e pastores. Homens pobres, em suas vestimentas rústicas e rostos tingidos do sol da lida diária, mas que expressam alegria por ver naquela criança um sinal de possibilidades de dignidade e, sobretudo, de humanidade.

O meu Natal não tinha Papai Noel, com suas roupas extravagantes e seu descomunal saco de presentes, econômico e socialmente seletivo. Tinha, sim, Papai Manoel, o único dos quatro avós que conheci e que nascera no dia 25 de dezembro. Portanto, a casa do avô era espaço de reunião familiar no Dia de Natal. A referência ao Papai Noel aparecia nas conversas com os primos que, residindo na cidade e com os pais em condições econômicas melhores, sempre ganhavam presentes que eram ostentados para a nossa beradeira curiosidade. E por muito tempo, inocentemente, acreditei que Papai Noel fosse meu avó Papai Manoel.

O meu Natal tinha sempre rastros de esperança na vigília paterna da cata da barra de Natal que poderia sinalizar bons ou maus presságios ao ano que se anunciava. Presságio de chuvas fartas e garantia de alimento e safra de algodão que permitia atualizar o guarda roupa familiar com as vestes de missa e outras solenidades.

O meu Natal tinha, sobretudo, oração e agradecimento ao Deus Menino que, nascendo homem, na singeleza de pastores, bois, jumentos, na periferia dos impérios e governos, nos legou o testemunho de humanidade que supera mesas ricamente adornadas, palavras vãs, gestos e rituais repetidos.

Esse é, portanto, meu desejo de Natal e, quiçá, possamos vivenciar, em alguns meses, a Pascoa do Deus Homem como sinal de libertação, jamais de ódio, superficialidades, divisões, degredos, mortes.


Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.

Mariana Moreira

Mariana Moreira

Professora Universitária e Jornalista

Contato: [email protected]

Mariana Moreira

Mariana Moreira

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