O menino e grandes homens
O aeroporto estava apinhado de cidadãos de palitó e gravata à espera do homem. Nem sempre tinham o privilégio de ver o homem de perto. De falar, de apertar a mão e, quem sabe, até de abraçá-lo. A visita a Cajazeiras se dava às vésperas da eleição. A vitória são favas contadas, diziam, eufóricos, esquecidos de que alguns daqueles engravatados foram implacáveis adversários, no último pleito. Pouco importa. A busca do poder dispensa coerência.
O avião está prestes a pousar.
O menino não esconde a ansiedade. Levado pela mão do pai ao aeroporto, conhecerá o grande homem. Na ida, dentro da rural Willys, os caronas só falavam do sucesso da aliança PSD/PTB, que resistira até mesmo ao golpe de Estado, um ano antes. Os engravatados enalteciam o velho chefe, enquanto imprensavam o menino no curto percurso até o aeroporto. Que diabo de língua eles falam, pensou o garoto, pra mim isso é grego… Não interessa. Quero é conhecer de perto, refletia, deve ser um homem grande, um gigante, um super-homem. Um semideus. Do contrário, por que esse funaré de gente, com roupa de festa no Tênis Clube? Quase invadem a pista de pouso. De repente, um rasgo de eletricidade se espalha ao som do grito:
– Lá vem ele… tá chegando, o homem tá chegando!
O aviãozinho aponta no horizonte em direção ao poente, contornando o Açude Grande, a fim de começar o procedimento de descida no velho campo de Antônio Tomaz. Cajazeiras já se habituara com aquele percurso aéreo, feito pelo avião da VARIG, o famoso DC-3, a valente aeronave da Segunda Guerra Mundial, adaptada para atender às linhas aéreas regionais. Aumenta o burburinho. Um reboliço de gente, já agora, avança para perto do homem, que desce com a mão no ar, a gravata amarela esvoaçante, o riso escancarado, um jeito de salvador. O menino perde-se do pai, em meio à pequena nuvem de poeira e de apressados passos.
– Chore não, seu pai volta já já… ele está ali abraçando o homem.
Voltam. Os mesmos senhores, agora, o nó desatado da gravata, o pai exultante, viram, vocês viram o abraço! Comentam, excitados, já dentro da Rural, a fim de seguir a caravana. Aí, o menino falou, quase gritando para se fazer ouvir, em meio à euforia, a coragem do tamanho da frustração:
– O senhor me trouxe para ver o homem, papai, e eu não vi… a ideia de me trazer foi do senhor, papai…
Vozes adultas abafam a queixa infantil.
Mais tarde, já em casa, o pai recomenda, vista um traje decente, vamos ver o homem de novo. A mãe logo meteu o filho na roupa da missa do domingo. No espaçoso terraço da residência do médico Waldemar Pires, o sorridente homem grande abraçou o menino.
Um susto. O menino levou um choque. Segurou-se, mesmo porque ninguém presta atenção nas reações de criança. Nada mais lhe interessou ao redor. Trancou-se na impressão causada pela figura daquele homem, quase um deus, na visão dos adultos. Já de volta à casa, matou a curiosidade da mãe:
– Mamãe, como pode ser um grande homem se ele é mais baixo do que papai?
No mundo, há falsos grandes homens a exibir grandeza de ocasião. Mas existem baixinhos gigantes e eternos. Inácio de Sousa Rolim é um deles. Foi grande até o final de sua longa vida de 99 anos. Velhinho, curvado, apoiando-se na bengala, padre Rolim saia de casa em casa, alertando as famílias de Cajazeiras: bote os meninos e as meninas na escola, não esqueça viu?
Isso, sim um grande homem. Meu pai, já quase rapaz, testemunhou cenas assim, muitas vezes.
P S – Em homenagem ao 220º aniversário do padre Rolim.
Presidente da Academia Cajazeirense de Artes e Letras (ACAL)
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