O ferro da dama
O epíteto de A Dama de Ferro traduz, em toda sua dimensão, o contexto em que a ex-primeira ministra britânica Margareth Thatcher ganha projeção no cenário político mundial. Ao mesmo tempo, a qualificação representa a forma como as mulheres, ganhando projeção no espaço público, são forçadas a despir-se de qualquer traço de feminilidade, assumindo atributos culturalmente construídos como de exclusividade masculina, como força, intolerância, rudeza, determinação, rigidez.
E foram esses atributos que a projetaram mundialmente como uma das principais lideranças que, na década de 1980, empreendeu uma nova roupagem ao capitalismo, que atravessava mais uma de suas cíclicas crises. A flexibilização da economia e do mercado, denominada de neoliberalismo, determina que o Estado reduza sua atuação na oferta de bens e serviços essenciais a população e limite seu papel de elemento regulador das atividades econômicas, deixando “nas mãos do mercado” a determinação de como, quanto e para quem produzir.
Essa estratégia deu novo fôlego as atividades produtivas e ao sistema econômico. No entanto, suas conseqüências foram dramáticas e afetaram, sobretudo, os trabalhadores. Com a reestruturação da produção, direitos e garantias que, historicamente, foram conquistados pelos trabalhadores, foram modificados e muitos suprimidos pelos parlamentos e outras instâncias legislativas. Muitos postos de trabalho foram extintos na onda da informatização do mundo do trabalho. Milhões perderam seus empregos e engrossaram as estatísticas de desempregados, afetando não apenas, os dados oficiais dos organismos governamentais, mas, sobretudo, a vida e a dignidade de pessoas que tinham projetado suas vidas a partir da construção de uma perspectiva que foi abruptamente cessada.
A Dama de Ferro não oxidou ante o sofrimento de milhões de pessoas que, não apenas no Reino Unido, mas em todo o planeta, foram afetados pelas políticas neoliberais de privatização, de mercatilização de serviços essenciais como saúde e educação. Sua máscara impassível não esboçou qualquer reação de humanidade ante os gritos e clamores que ressoavam nas ruas e praças nas manifestações de trabalhadores e de setores sociais. A denúncia do caráter perverso do que era anunciado como novo e o respeito a direitos e garantias conquistados com a luta e mobilização e, em muitos momentos, com o sacrifício da vida de tantas pessoas não ressoaram em seus propósitos de governante.
Era necessário ser de ferro, dura, intolerante, intransigente, insensível. O mundo masculino da política não perdoa fraquezas, mas, sobretudo, não tolera delicadezas, gentilezas, humanidade. O seu contemporâneo Ronald Reagan a considerava o melhor amigo homem que tinha. E a Dama de Ferro entra para a história não pela relevância de suas atitudes em construir um mundo mais saudável, mas sim, por ter legitimado a visão de que o espaço público ainda é marcadamente masculino, e, para transitar nele também devemos nos masculinizar. E nada fez para mudar isso.
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