O caminhar de Socorro Lira
Menina-moça, ela ficou fascinada quando viu televisão pela primeira vez na cidade de Brejo do Cruz, para onde se mudou saída das brenhas do município. Foi um alumbramento ver aquele luxo de cores e vozes e danças e sons e luzes, um mundo ali perto de seus olhos grelados na telinha, a imaginação solta no espaço, mas o coração preso à terra. Sempre. Estudante, fez-se líder no colégio. E descobriu que a igreja católica não era apenas o padre, a freira, o ritual da missa, os cânticos, rezas, hóstias e amor. Era também e, sobretudo, o despertar de consciência no povo simples das comunidades rurais em busca de sua utopia.
Caminhou do sertão ao brejo paraibano. De Alagoa Grande para a Universidade foi um pulo. Campina Grande lhe abriu portas mais do que Brejo do Cruz lhe abrira os olhos, passando a enxergar nas coisas simples e rudes do sertão as artes do povo. Então, sentiu o perigo da cultura popular perecer, tragada pela sanha invasora da tecnologia televisiva destruidora. Não pensou duas vezes. Pé na estrada, correu a recuperá-las, as artes do povo, como quem busca as próprias raízes, agora, já compositora e cantora articulada no mundo da modernidade sem perder, contudo, a seiva extraída dos movimentos sociais. O curso de Psicologia Social entrou na sua história como fermento acadêmico para fincar mais ainda seu coração na terra. Nas artes da terra.
E a menina, que nascera Maria do Socorro Pereira, virou Socorro Lira, a filha de Zé Lira. A menina que se fascinara com a tevê, objeto de seu deslumbre nos confins de Brejo do Cruz, agora dominava seus segredos, seus mistérios. Campina Grande ficou para trás. São Paulo lhe atraiu como faz a muita gente comum e, também, a quem se torna presidente da República ou jogador de futebol ou artista ou novo rico. Ou prefeita da capital, como Luiza Erundina. Não pense o leitor que Socorro Lira navegou em mar de rosas. Ao contrário, penou o tempo todo. E como penou! Para gravar CDs com as músicas que ela mesma compõe e canta, por exemplo, teve que sair de cuia na mão a extrair patrocínio de empresas e de conhecidos. O último disco, “Lua Bonita – Zé do Norte 100 anos”, foi um sufoco. Apelou a amigos. O médico Sabino Filho deu um empurrão de leve. E indicou empresários de Cajazeiras que poderiam colaborar, considerando tratar-se de homenagem ao centenário de nosso conterrâneo Alfredo Ricardo do Nascimento. Nada. Seis meses depois, veio a queixou: nem uma resposta pra meizinha!
No dia 13 deste mês, a menina recebeu, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, o prêmio de Melhor Cantora do Brasil, categoria regional, graças à qualidade do CD Lua Bonita, com músicas do cajazeirense Zé do Norte, cantadas por ela, Socorro Lira, e uma ruma de artistas famosos.
Não conheço a menina de Brejo do Cruz. Nunca a vi pessoalmente. Mas desconfio que ela e eu, temos duas afinidades: o apego às raízes sertanejas e a busca da utopia. Utopia? Isso mesmo: “A utopia está no horizonte. Dou um passo, ela se afasta de mim. Dou outro passo e ela, novamente, se distancia. Então, para que serve a utopia? Para isso, para caminhar.”
P S – Confira os caminhos da menina em www.socorrolira.com.br
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