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José Anchieta

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Música é vida interior

17/01/2008 às 18h25

Quem não passou por sofrimentos enormes? Quem de nós a forte dor ainda não tocou? O endereço da esperança parecer ter sido perdido quando nos sentimos sós, extremamente sós. Ninguém está isento da profunda amargura que, por vezes, chega sem motivo nenhum. Por vezes, até nos perguntamos, por que estamos assim?

Hoje em Quixadá, no dia e hora em que escrevo estas linhas (terça-feira, 15, 09h24m), o clima está mudado: céu com espessas nuvens, algumas gotículas já caindo, silêncio absoluto no antigo hospital que, hoje, nos serve de seminário (e cúria diocesana); sinto-me só e com muita vontade de estar em Cajazeiras, perto dos meus… Clima propício para uma leve descida no humor de qualquer um que tenha tendências melancólicas.

Justamente aqui, à frente do computador, pensando no que escrever para o artigo de sexta-feira, deparo-me com a lembrança de um grande amigo, que conheci em 1995, nas aulas diárias de música do Pe. Gervásio, lá em Cajazeiras, que nunca esqueci e que sempre esteve em minha memória, nas alegrias ou nas tristezas, com que a me consolar. Vez por outra, flagro-me assoviando uma de suas músicas. À apresentação, ele executou para mim (a filarmônica de Berlim, do saudoso Karajan) a 5ª sinfonia, que se inicia com quatro notas introdutórias a marcar o compasso e alma inquieta deste pobre articulista.

Estou falando de Ludwig Van Beethoven, que nasceu no ano de 1770 em Bonn, Alemanha, e faleceu em 1827, em Viena, na Áustria. O pai era alcoólatra (encontraram-no morto na rua) e o agredia fisicamente, por que não queria que seu filho fosse um “macaquinho” que se apresentava de coorte em coorte da Europa (falava de Mozart que, aos quatro anos, já compunha a sua primeira obra). Sua mãe morreu muito cedo e logo se instalou em sua personalidade uma justificável carência afetiva. Tinha um irmão que em nada lhe ajudou; pelo contrário, cobrava-lhe até o aluguel da casa onde morava. Além disso, começou a apresentar deficiências auditivas (isso, num músico, é o fim de tudo) e teve que usar um “trombone acústico”, uma espécie de aparelho auditivo.

Carregava consigo uma tabuinha, para que as pessoas escrevessem suas idéias e pudessem se comunicar. Faltava-lhes paciência para isto. Ninguém o queria ajudar. Beethoven começou a assumir um comportamento retraído e isolado, que, evidentemente, o levou a uma profunda depressão. Ganhou fama de misantropo. Ainda redigiu um testamento dizendo que ia suicidar.

Deus, que não abandona ninguém, particularmente nestes momentos, mandou-lhe ajuda espiritual através de uma moça cega, que se dedicava a falar-lhe quase gritando.

Esta moça morava na mesma pensão (paupérrima) para onde Beethoven havia se mudado e comentou com o músico que daria tudo para enxergar uma noite de luar. Sabendo disto, Beethoven se emocionou até às lágrimas, ele que podia ver e que podia desenhar o mundo que via através de suas pautas, através de sua música.

Surge, então, para satisfação de sua amiga, uma das mais belas músicas da humanidade, a “Sonata ao Luar”. Naqueles dias, morrera o seu protetor o príncipe da Alemanha, seu protetor.

No seu tema, a melodia imita os passos vagarosos de algumas pessoas. Possivelmente os dele e os dos outros que levavam o caixão mortuário do príncipe. Olhando para o céu prateado de luar, e lembrando da moça cega, como a perguntar o porquê da morte daquele mecenas tão querido, ele se deixa mergulhar num momento de profunda meditação transcendental…

Alguns estudiosos de música dizem que as três notas que se repetem insistentemente no tema principal do 1º movimento da Sonata, são as três sílabas da palavra por quê? ou outra palavra sinônima, em alemão.

Anos depois de ter superado o sofrimento, viria o incomparável Hino à alegria, da 9ª sinfonia, que coroa a missão desse notável compositor, já totalmente surdo. Aqui, Beethoven não ouve externamente uma nota sequer da 9ª sinfonia que, segundo os entendidos, é a mais bela e mais profunda obra composta por ele. Internamente, porém, ele as vivia…
Hino à alegria expressa a sua gratidão à vida e a Deus por não haver suicidado.

Tudo graças àquela moça cega que lhe inspirou o desejo de traduzir, em notas musicais, uma noite de luar… Usando sua sensibilidade, Beethoven retratou, através da melodia, a beleza de uma noite banhada pelas claridades da lua, para alguém que não podia ver com os olhos físicos.

Música é movimento. Nos momentos de solidão, ela ajuda no encontro consigo mesmo, que é o nosso permanente companheiro; e talvez no encontro com o outro, que é extensão do nosso eu.

Pense nisso, e alimente sua alma com melodias que “concretizem” arte e beleza, que falem do bom e do belo. Música que não se propõe a isto é lixo fétido e tem que ser de pronto repelido, pois estraga a alma.
“Música é vida interior e quem tem vida interior jamais padece de solidão”


Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.

José Anchieta

José Anchieta

Redator do Jornal Gazeta do Alto Piranhas, Radialista, Professor formado em Letras pela UFPB.

Contato: [email protected]

José Anchieta

José Anchieta

Redator do Jornal Gazeta do Alto Piranhas, Radialista, Professor formado em Letras pela UFPB.

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