Meu pai e a seca de 1932
Por José Antonio
Em suas inúmeras viagens para o Recife eu me “escalava” para ser o motorista de meu pai, Francisco Arcanjo de Albuquerque, que Deus já o levou para o seu reino, em 12 de novembro de 2002.
Geralmente estas viagens demoravam mais porque saia mandando parar o carro, para comprar queijos, frutas e legumes, vendidos às margens das estradas, para presentear os filhos, os médicos e depois os netos que estudavam em Recife.
Adorava ouvi-lo, principalmente quando fazia longas narrativas sobre a sua vida e que sempre as tomei como lições exemplares.
Aos oito anos de idade, em 1928, ficou órfão de pai e tomou para si a obrigação de trabalhar para dar sustento a minha avó Isabel e a minha tia Beatriz e ficou prestando serviços aos donos das propriedades da vizinhança do Sitio Coxos de Cima, onde residia.
Nos anos bons de inverno tudo era mais fácil, mas quando tinha 12 anos de idade, aconteceu a grande seca do ano de 1932. Não teve alternativa e foi em busca de trabalho nas frentes de serviços.
Nestas viagens, logo depois da cidade de Aparecida ele me dizia, ao passarmos pelo Sítio Mufumbo: “trabalhei por aqui na construção desta estrada, mas fiz amizade com o feitor da obra e ele me liberava para levar o almoço dos trabalhadores”.
Tinha sempre um fato diferente para narrar, com muita emoção, mas com um sentimento de vitória, de conquista, de êxito. Voltava para casa a cada 15 dias e não em todo o final de semana, isto com o objetivo de economizar e diminuir as despesas com o transporte. E levava consigo os mantimentos necessários para minorar a fome de sua mãe e de sua irmã.
Posteriormente, conseguiu trabalho em outra frente de serviços, através de um irmão por parte de pai, do primeiro casamento de meu avô, Joaquim Cândido de Albuquerque, que exercia o cargo de “apontador” e neste novo trabalho não teve saída foi mesmo para o cabo da picareta e do carrinho de mão, mas tinha uma vantagem ficava mais próximo de casa.
Terminou conseguindo um serviço no “terreiro de casa”: a construção do Açude de Boqueirão de Piranhas e sua função era a de catador de raiz. Ele me explicava como realizava este serviço: os caminhões com carroceria de madeira eram descarregados na pá e todas as raízes que vinham misturadas com a terra, principalmente as de mufumbo, tinham quer ser retiradas e era um dos serviços mais fiscalizados. Não era um serviço tão pesado, explicava.
Dizia ainda que tinha um zelo muito grande por este novo serviço e procurava fazê-lo com cuidado, porque ficava um pouco mais de uma légua de casa e isto lhe proporcionava ir olhar sua mãe quase todos os dias.
Foi a construção deste Açude que proporcionou a criação da vila, hoje Distrito de Engenheiro Ávidos e quis o destino que um dia, 13 anos depois, seria nela que meu pai ia se engraçar de sua bela, querida e amada Leopoldina e com ele se casar.
Mas para a realização deste enlace minha mãe impôs uma condição: só casaria se ele deixasse o sítio e viesse morar na Vila, mas tinha um obstáculo: quem cuidaria de minha avó? Aí minha mãe fez um acordo: recebeu de coração e braços abertos que sua sogra viesse morar com ela e se constituiu numa presença bendita e abençoada no seio de nossa família.
Quando veio morar na vila, vendeu um cavalo, um silo de 10 quartas de milho e juntou com os réis que amealhou com o fruto de seu trabalho e comprou uma casinha na beira do Rio Piranhas.
Com muita disposição para trabalhar, botou uma bodega e minha mãe ficava tomando de conta, enquanto ele tocava também a sua roça no Sitio Coxos e uma vazante que conseguiu junto ao DNOCS, na bacia do açude que ele ajudou a construir.
Meu pai vivenciou muitas outras secas durante os seus 82 anos de vida e sobre elas viveu a epopéia de um grande cavaleiro da esperança e um homem obstinado pelo trabalho e pelas estradas da vida construiu uma grande família.
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