Leitura, Razão da Minha Vida
Por Gildemar Pontes
Gregório de Matos escreveu no século de 17 o retrato de um Brasil onde imperava a violência, a intolerância e a corrupção em todos os setores da Colônia. Diplomado e civilizado na Europa, o poeta baiano estranhou o país que deixou ainda jovem, quando do seu retorno para assumir um cargo na Santa Sé de Salvador. Esse Brasil de Gregório não se parece nem de longe com o Brasil atual. Crescemos, conquistamos respeito, participamos da globalização das nações, mas ainda não civilizamos a nossa sociedade. Haverá nessa adversativa uma contradição? Pensemos.
Na minha infância e adolescência, pelos idos de 60/ 70, a Tv era debutante e disputava espaço com os livros e a música nacional das grandes vozes e dos grandes poetas. A leitura era tão natural quanto beber água. A bela adormecida, o Chapeuzinho vermelho, Os três porquinhos e outros contos infantis povoavam nossa imaginação e estimulavam nossa vontade de criar. A Tv trazia o Supermouse, a Corrida maluca, o Zé Colméia, A Vila Sésamo, e os adolescentes iam para as tertúlias repletos de uma euforia apaixonada pela vida e pela conquista do primeiro beijo.
O país sufocava nossos jovens e nossos intelectuais por uma ideologia militarista imposta pelo país dos ianques estúpidos. Vivesse o poeta Gregório de Matos nesse tempo, sufocaria em sacos plásticos, afogado em tinas d’água, para secar no pau-de-arara. Sei disso tudo porque li. Li os contos infantis, os desenhos animados, a história oficial e a paralela, a poesia e a prosa dos meus guias espirituais José de Alencar, Machado de Assis, Aluisiso de Azevedo, Castro Alves, Lima Barreto, Graciliano Ramos, Manuel Bandeira… são tantos.
Não compreendo por que a escola está imersa numa nuvem obscura de politicagem, incompetência e ameaça de extinção dos nossos mestres. Vou à universidade e escuto sempre a pergunta: “O sr. vai dar aulas hoje?” Ora, isso é uma piada de dar desgosto. Como posso eu sair de casa, deslocar-me até o trabalho, dirigir-me à sala de aula e não dar aula? Parece que a preguiça mental venceu o desejo de curiosidade, de olhar em perspectiva, de descortinar o desconhecido mundo das idéias, de acender uma luz na caverna de Platão. Parece que a sala e os apetrechos tecnológicos que vieram facilitar a vida de professores e alunos é um fardo pesado para se encarar. O que dirá a Biblioteca, este paraíso latente de cura para as maiores demências? Certamente o poeta exilado chamaria muita de gente de asnos e a escola de um presépio de bestas. Felizmente estes serão uma minoria.
Data vênia, caro(a) leitor(a), não quero ser maledicente como o outro, só queria chamar a atenção para a leitura, única forma de se evoluir a consciência, refinar o espírito, aplacar as dores d’alma, sufocar os temores e libertar as amarras que prendem o homem ao servilismo político e à ignorância cidadã.
Acabo de entrar numa livraria. Os livros me chamam, me invocam, me assediam o espírito e eu os apalpo, folheio sumários, cheiro-lhes as folhas, sento numa cadeira e inicio a conversa que aprendi na infância com os mestres Grimm, Andersen, Perrault, Lobato e os narradores fantásticos que estão agora aqui, do meu lado, espiando minha tranqüilidade de leitor feliz. Sorrio. O dia está claro. E eu vou logo mais dar aulas na universidade, compartilhar meus anseios e questões filosóficas com os jovens que estão prontos para se lançarem nos abismos do conhecimento. Só não quero ouvir novamente a pergunta se irei dar aulas. Afinal, se vou lá para trabalhar, por que algum aluno iria para não ter aulas?
Parabéns à Livraria Lesco-Lesco, que este mês faz um ano de inaugurada. É lá que outros mundos se abrem e eu respiro cultura e vida.
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