Labaredas juninas
No poente uma estrela apressada rouba o brilho dos últimos claros do dia. Uma brisa fresca soprada pela umidade que exala das chuvas caídas de forma benfazeja empresta um ar de frescor ao final da tarde. Pontos luminosos começam a reluzir em todas as direções anunciando a chegada das primeiras fogueiras acesas para celebrar São João e manter viva uma tradição cada vez mais comercial e cada vez menos religiosa. No terreiro a fumaça deita na direção do nascente dando força e vida a crença popular de que no próximo ano a temporada das chuvas será fecunda e anunciadora de fartura e bonança.
Em curtos intervalos espocam traques, rojões, bombas impregnando o ar com o cheiro inebriante e enjoativo de pólvora. No ar a mistura de fumaças produz um clima de translucidez e opacidade que esconde detalhes e revela uma atmosfera de magia e mistério. No céu uma lua cheia parece querer engolir a noite e espalhar pela imensidão do cosmo sua luz alva que encanta e apaixona aqueles que ainda conseguem ver a beleza do singelo. Gritos de crianças vindos de várias direções anunciam a alegria e trazem a certeza de que a vida prossegue seu curso a revelia dos tropeços, perdas e saudades.
Um cheiro de infância anuncia o sabor dos bolos de milho e arroz que, assados no forno de lenha, antecipavam as manhãs de São João celebradas após o banho nas águas geladas do pequeno açude antes do sair do sol, quando as brumas da madrugada esfumaçavam a represa habitada por mergulhões e marrecos cantarolantes. Um ritual que, segundo a tradição cristã, recebia as bênçãos do Batista que, milhares de anos atrás, tinha batizado o Cristo. O sabor dos jerimuns enterrados na fogueira e, no dia seguinte, degustado com o acompanhamento das brincadeiras de papai atiça o paladar.
Um som de uma música antiga de forró corta o espaço trazendo a lembrança dos pavilhões enfeitados de pequenas bandeirolas coloridas e palidamente iluminados com candeeiros de chamas bruxuleantes e rodeados de bancas de café, de vendedores de rodelas de abacaxi e tragos de aguardente. A ausência de um som de sanfona, a tristeza de uma fagulha de música silenciada. Sabores e odores que se misturam e se esvaem como brisas sopradas por mãos invisíveis que brincam com nossos sentimentos e nossas lembranças.
No céu um balão projetado pelos nossos desejos injeta cores e pinta de alegria um tempo de encantamento. No seu rastro a saudade de tantas pessoas amadas que, em tantas noites juninas, refletiram seus rostos na bacia e alimentaram a esperança de que estariam sempre vivos a cada noite de São João alimentados pelas labaredas que aqueciam as noites e clareavam o ambiente com a efemeridade do eterno.
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