Graças à batata doce
Por Francisco Frassales Cartaxo – Na feira de produtos orgânicos eu escolhia batatas doces, misturando avermelhadas e brancas. A meu lado, uma senhora me pergunta, como quem pede desculpas, qual a melhor a branca ou a vermelha. As duas são boas, respondi, já virado para ela. Notei um sotaque estranho na fala e, nos olhos, um quê de timidez. Vestida de bermuda caseira, camiseta, sem mais adereços, ela exibia pouco jeito para fazer feira, diferente da gente habituada ao ruge-ruge de uma feira ao ar livre.
Continuei a fazer minhas compras. Mais tarde, já puxando meu carinho de volta, fui atraído por um psiu mudo. De dentro do carro soou uma voz, temperada de brilho no olhar.
– Muito obrigada, vou provar as batatas brancas.
– Ah, depois me diga se gostou!
Vi nascer a feira da Praça de Casa Forte.
Há vinte anos, na gestão do prefeito João Paulo, a feira surgiu como estímulo à produção agrícola familiar, para garantir a venda direta ao consumidor, sem intermediação. Começou com poucas barracas expondo variados tipos de verduras, legumes, frutas, ovos de capoeira. Na medida que crescia o número de compradores, foram surgindo outros vendedores, sem nada a ver com os antigos sem terra. Pequenos proprietários rurais, gente de classe média urbana à procura de complementar a renda nesses tempos difíceis.
A feirinha virou um feirão!
Hoje existe um mundo de oferta de doces, bolos, biscoitos, pães, molhos, sanduiches, salgadinhos, queijo e manteiga, defumados, óleos, perfumes, sabonetes… o escambau. Sem contar mudas de plantas, flores e o mais que o leitor possa imaginar. Lá estão agora profissionais liberais, artesões, antigos senhores de engenho que passaram a produzir leite e derivados. Agora eles encontram nas feiras novo escoadouro para seus produtos. Nas feiras, são dezenas, hoje, espalhadas na Região Metropolitana do Recife.
Não mais vi aquela jovem dona de casa.
Passaram-se meses, um sábado desses, uma voz quase esquecida ecoou de modo inesperado. O senhor se lembra de mim? Tímido brilho nos olhos me avivou a memória. Sim, sim, eu disse, sem disfarçar a alegria… a menina das batatas! Abrimos um sorriso. Andou desaparecida, na certa quem vinha à feira era o maridão. Não, não, estávamos viajando, fomos para o Paraná. Ele ficou lá… e completou, agora minha feira é menor! O sorriso se alargou. Nossos olhos com mais brilho dispensaram palavras e gestos. Fomos até o seu carro e eu ajudei a arrumar as compras no bagageiro. Graças à batata doce.
Presidente da Academia Cajazeirense de Artes e Letras
Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.
Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.
Leia mais notícias no www.diariodosertao.com.br/colunistas, siga nas redes sociais: Facebook, Twitter, Instagram e veja nossos vídeos no Play Diário. Envie informações à Redação pelo WhatsApp (83) 99157-2802.
Deixe seu comentário