Galvão do Juazeiro
Por: José Cícero
Uma figura aparentemente excêntrica para os que não estão acostumados a vê-lo amiúde no seu verdadeiro peregrinar em busca de apóio cultural para desenvolver a contento a sua arte e o seu talento. Da sua busca incessante dependerá quase que a sobrevivência das grandes histórias que ele tem sempre para contar às novas gerações.
Este é o popular Galvão do Juazeiro. Que na verdade é filho da Caririaçu da serra de São Pedro, portanto vizinho da nossa Aurora. Como ele próprio diz, nasceu na cidadezinha do Cariri, mas foi criado no oco do mundo. Na sua bagagem, além de muitos contos e causos, Galvão do Juazeiro, carrega também a coragem e a ousadia de nunca desistir do seu ofício de preservação do que há de mais nobre e autêntico na nossa cultura popular. Sua vida tem se confundido com o próprio ato de resistir a quase tudo que a modernidade possui de deletério em relação a verdadeira manifestação da cultura popular do Cariri. Neste aspecto em particular, podemos dizer que Galvão do Juazeiro é uma enciclopédia ambulante, a se perder na poeira das estradas dos nossos sertões, agora quase coberto de asfalto, argamassa e cimento armado.
Galvão do Juazeiro é o senhor da memória a travar cotidianamente sempre o bom-combate contra o fantasma do esquecimento total.
Quase sempre Alegre, e sisudo quando necessário, sobretudo ao criticar em público o péssimo tratamento dos poderes e dos poderosos conferido aos movimentos culturais e seus ativistas(como ele próprio). Sempre vestido num roupão colorido incomum para os padrões, é visto por muitos como uma figura extravagante, mas para outros, o seu modo de vestir representa a sua marca registrada, seu cartão de visita adentrando todos os ambientes onde seja possível a cultura respirar e se despir da soberba elitista-burguesa. Dando esperança, sob os alicerces de um futuro melhor e de dignidade para os que as fazem e vivenciam no dia a dia. Gente do tipo de Galvão do Juazeiro e tantos outros quase sempre de pires nas mãos juntos aos governos da insensibilidades e da burocracia.
Por tudo isso, mais parece um gaúcho que um sertanejo tradicional… Chapéu sobre os olhos sombreando uma barba branca e farta. Outros apetrechos compõem o leque dos variados adereços a se espalhar pela indumentária bela, esquisita, estranha e elegante daquele homem admirável, alegre e comunicativo, cuja opção que fez pela cultura e pela história dos sertões o tornara simplesmente espetacular. Aonde ele chega todas as atenções se voltam para a sua presença. De modo que já é uma figura constante em todos os encontros culturais do Estado e região. Uma bandeira de luta sempre desfraldada em favor da preservação e de melhorias para as nossas mais importantes manifestações socioculturais e folclóricas. O passado, assim como os costumes de toda uma geração,diria que resisti na força da ousadia que impulsiona o nosso Galvão.
Por algumas vezes conversei com Galvão do Juazeiro. Nos encontros culturais onde quer que aconteçam ele estar lá. O conheci por ocasião da primeira visita do professor Auto Filho à URCA logo que assumiu a SECULT e, ultimamente em Juazeiro, por ocasião do governo itinerante de Cid Gomes em 04 de agosto.
Sua disposição e alegria em falar do que acreditar e defende me impressiona. Tanto quanto a maneira altiva como se posta em relação a tudo que está a sua volta. Seu velho pé-de-cabra, o lenço ao pescoço, as longas botas… tudo no Galvão exprime novidade. Porém, uma novidade que resgata ao tempo que também nos remete as coisas boas do nosso passado.
Seus causos são simplesmente, fascinantes, arrebatadores. Uma longa narrativa que quase não tem fim. Conta seus causos e estórias como se vivesse ele próprio dentro delas. Mas, no fundo, é como se ele fosse de fato o protagonista maior de tudo que descreve com força, entusiasmo e absoluta riqueza de detalhe.
História e estórias como a de Vicente Finim – o homem do Caririaçu que nos anos 50/60 começou a virar bicho(lobisomem) nos engenhos de cana de Barbalha. História que de boca em boca, ajudada que foi pela força da oralidade popular e a superstição da nossa gente, passou a ser conhecida em toda região e muito além dela.
Estórias como a do chamado “Cão da Valença”, isto é, do homem que pela força de uma praga jogada pela mãe incorporou de corpo e alma a figura do capeta e, que certa feita teve que ser dominado(amarrado) pelo Padre Cícero no troco de uma carnaúba com ajuda de um cordão de São Francisco. Rodou tanto, segundo dizem que afinou consideravelmente o tronco de tal árvore. Um causo que igualmente correu mundo afora.
Enfim, é demasiadamente longo todo o corolário de causos, crenças, fatos e histórias mirabolantes e fantásticas contadas pela verve alucinante e inventiva deste notável senhor, memorialista, viajante dos sertões nordestinos. Agente cultural. Um sonhador. Um admirador de Conselheiro, José Lourenço, Lampião e padre Cícero querendo com seu otimismo aplacar todas as lonjuras, as fraquezas assim como as dores do mundo. Um visionário para o qual, o próprio sertão ainda vai virar mar…
Por fim, é possível dizer até que Galvão do Juazeiro, já é uma boa história fascinante, a partir de si mesmo.
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