Enigmas de nosso tempo
O nome e o lugar estão se dissipando em meras memórias. Figuram mais como sonoros e remotos lugarejos ou designações de espaços que soam como nomes exóticos, andando de costas para o tempo. Assim é o Riacho da Curicaca, que vem sendo engolido, de forma voraz e insaciável, pela especulação imobiliária que, ao arrepio de qualquer vigilância pública, espalha suas garras movidas tão somente pelos interesses do lucro fácil. Uma fome que se alimenta de aterros e terraplanagem convertendo em loteamento córregos e riachos margeados por touceiras de oiticicas, por locas de pedras onde se escondiam sapos e lagartos que se esgueiravam de possíveis predadores ou se protegiam do sol.
E o Curicaca que, em tempos de invernadas abundantes, cantava afinada música de água barrenta borbulhando em pequenas cachoeiras e remoinhos improvisados em formações rochosas que se amontoavam em seu estreito leito, vai definhando e amofinando como a antecipar seu cruel destino de ser apenas um inanimado canal por onde escorre os fétidos esgotos urbanos. As formações rochosas de seu leito não resistiram ao impacto feroz dos explosivos e se converteram em pedras de calçamento deixando nu e exposto teu espinhaço ossudo de pedras e crateras. Tuas oiticicas ardem implacáveis em fornos de padaria ou em churrasqueiras que deliciam aprazíveis encontros de amigos e distanciam nossa responsabilidade com nossos recursos naturais.
E a cidade cresce e se verticaliza. Surgem os primeiros edifícios de mais de quatro andares. Um positivo sinal de que o crescimento econômico impulsionado, sobretudo, pela expansão de seus serviços educacionais, que atrai para a cidade estudantes universitários de vários estados da região, vem criando alternativas de vida para a população fora do combalido esquema agricultura-pecuária. As ruas se apinham de automóveis que disputam aguerridamente as parcas vagas de estacionamento enquanto esperam que o poder público defina regras racionais paras disciplinar essa área. As novas construções sinonimizam progresso, mas negligenciam um aspecto fundamental para quem vive numa região marcada por uma configuração de semiaridez: a falta de água e a relevância vital que a água da chuva que, em muitos anos, cai de forma irregular, assume como estratégia de vivência e de convivência.
Não se observa, nestas construções, nenhuma iniciativa de armazenar a água da chuva que, acumulada em cisternas, pode ser necessária para o atendimento de várias necessidades, como descargas sanitárias, banhos, limpeza doméstica, rega de jardins, lavagem de carros e calçadas. Atividades que, no momento, são realizadas com água tratada e, escassa. Além da escassez, essa água, para tornar-se adequada ao consumo humano, sofre um processo de purificação que redunda em investimentos financeiros realizados com dinheiro público, ou seja, de nossos impostos. Dinheiro que se torna ausente em hospitais, escolas, estradas, afligindo pessoas e antecipando vidas.
Enquanto isso fica a pergunta: quem sabe onde é, ou era, o Riacho da Curicaca?
Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.
Leia mais notícias no www.diariodosertao.com.br/colunistas, siga nas redes sociais: Facebook, Twitter, Instagram e veja nossos vídeos no Play Diário. Envie informações à Redação pelo WhatsApp (83) 99157-2802.
Deixe seu comentário