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Francisco Cartaxo

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Copa do Mundo e política

03/06/2014 às 11h00

Éramos oito pessoas, quatro casais. Os homens trabalhávamos na Sudene, exceto um que fora punido após o golpe, acusado de exercer atividades subversivas quando exercia a vice-presidente da UNE. Costumávamos sair juntos nos fins de semana para jogar conversa fora, quase sempre em bares à beira-mar de Olinda. Os papos sérios, contudo, se davam em nossas casas, porque nessa época havia espias oficiais em todos os lugares. O simples ato de ouvir a Rádio Havana ou Rádio Moscou era atitude suspeita, “subversiva” tanto quanto citar notícia veiculada pela BBC de Londres e até mesmo A Voz da América. Sempre havia um “dedo duro”, agente do SNI – Serviço Nacional de Informação, pronto para denunciar um colega de trabalho ou de escola, um vizinho, um parente. 

O grupo de casais tinha divergências ideológicas e políticas. Um traço comum, porém, unia a todos: a oposição ao regime militar, então presidido pelo general Garrastazu Médici, o período de maior repressão da ditadura, com rigorosa censura à imprensa, prisões arbitrárias, tortura e morte em dependências policiais e militares. Ao aproximar-se a Copa do Mundo de 1970, surgiu a dúvida. 

Torcer a favor ou contra a seleção brasileira? 

É bom lembrar que o ditador Médici fez praça de populista, o marketing oficial a explorar seu gosto pelo futebol. Sua imagem, com o rádio de pilha ao ouvido, inundava o Brasil, ao som de músicas “patrióticas” (“Prá frente Brasil, salve a seleção/ Setenta milhões em ação”) na ânsia de capturar a paixão do torcedor para o regime. Regime que mantinha em seus porões sob forte pressão física e psicológica contestadores políticos, homens e mulheres. Poucos sabiam disso. Nós, os quarto casais, obtínhamos informações clandestinas que circulavam a boca pequena e pela escuta de emissoras de rádio do exterior, captadas em ondas curtas. 

Nesse contexto, torcer contra a seleção canarinha parecia tarefa “revolucionária”, de resistência à ditadura! Com esse espírito entramos no clima da Copa de 1970. O grupo se reunia na residência de um de nós para ver os jogos. Cerveja, vodka, tira-gosto. Em frente à televisão, o ambiente era igual ao de qualquer grupo de torcedores. Com uma diferença, a tensão assumia ares dramáticos: ser ou não a favor de nossa seleção. Uma tensão desconfortável, às vezes, envergonhada, lá no fundo da alma roendo uma dúvida, nada de dar o braço a torcer, o regime vai faturar a vitória do Brasil no México, propalar que o tri é “deles”, os algozes do povo brasileiro. E nós vamos ajudar essa gente? Vamos? Absurdo. Vamos colaborar com o inimigo? Tudo isso e muitas outras interrogações passavam por nossas cabeças, na antivéspera da Copa do Mundo de 1970.

Passavam. Apenas passavam em nossas cabeças, mas quando o Brasil balançava as redes do adversário, a vibração era enorme, gritos, pulos de alegria, abraços e beijos num festejo igual ao de todo o povo brasileiro onde houvesse um aparelho de TV ou um rádio… As dúvidas sumiam. Ficava o gosto bom da vitória. Pouco importa se os generais iriam faturar. Assim foi em 1970, na conquista do tricampeonato. 

Em 2014, será diferente? O gol nos fará esquecer o governo capenga da presidente Dilma. É certo. Passada a Copa, aí sim, serão outros quinhentos! 


Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.

Francisco Cartaxo

Francisco Cartaxo

Francisco Sales Cartaxo Rolim (Frassales). Cajazeirense. Cronista. Escritor.
Trabalhou na Sudene e no BNB. Foi secretário do Planejamento da Paraíba,
secretário-adjunto da Fazenda de Pernambuco. Primeiro presidente da
Academia Cajazeirense de Artes e Letras. Membro efetivo do Instituto
Histórico e Geográfico Paraibano. Autor dos livros: Política nos Currais; Do
bico de pena à urna eletrônica; Guerra ao fanatismo: a diocese de Cajazeiras
no cerco ao padre Cícero; Morticínio eleitoral em Cajazeiras e outros
escritos.

Contato: [email protected]

Francisco Cartaxo

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Francisco Sales Cartaxo Rolim (Frassales). Cajazeirense. Cronista. Escritor.
Trabalhou na Sudene e no BNB. Foi secretário do Planejamento da Paraíba,
secretário-adjunto da Fazenda de Pernambuco. Primeiro presidente da
Academia Cajazeirense de Artes e Letras. Membro efetivo do Instituto
Histórico e Geográfico Paraibano. Autor dos livros: Política nos Currais; Do
bico de pena à urna eletrônica; Guerra ao fanatismo: a diocese de Cajazeiras
no cerco ao padre Cícero; Morticínio eleitoral em Cajazeiras e outros
escritos.

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