Chefrera, pássaros e meu benquerer
Por Francisco Frassales Cartaxo – O Recife amanheceu domingo sob chuva fina, aliás, um chuvisco. A calmaria da rua só perdia para a tranquilidade no interior da casa, todos em sono profundo. O silêncio me leva da varanda da frente à janela da cozinha, o olhar atraído pela variedade de edifícios a meu redor. Nem os morros de Casa Amarela consigo ver como antes da febre de verticalização urbana. Que mudança horrível! Meu olhar vagueia mundo afora cada vez mais distante da arquitetura que destrói a antiga paisagem de Casa Forte, bairro impregnado de história, de monumentos e fortes, placas e marcos, nomes de avenidas ruas e praças evocativos da luta contra os invasores holandeses. E, também, palco de selvagem cena da história recente, quando militares arrastaram, seminu, amarrado numa corda, o militante comunista Gregório Bezerra, deputado federal constituinte de 1946. Foi bem ali feito um animal, me disse, apontando para o local, testemunha presencial da barbárie, caminhante diário na Praça da Casa Forte.
Volto a olhar o quintal do vizinho.
Abandono a viagem ao passado e me fixo na copa de múltiplas folhas de uma planta de nome estranho, que só conheci quando deixei o sertão. Deixei é uma forma de dizer, pois o sertão, o meu sertão, anda sempre pregado à minha alma. Agora a vista se derrama pela diversidade de pássaros que povoam as folhas verdes da chefrera a competir com mangueiras, numa disputa em busca de sol e claridade.
Por que as aves gostam tanto da chefera?
Bem-te-vi, sabiá, azulão, rolinha, sanhaçu e um monte de sibites pulam de galho em galho a bicar nos simétricos cachos vermelhos de flores e minúsculos frutos. Ou insetos, como fazem em Cajazeiras os bem-te-vis no secular pé de tamarindo da casa de Tantino. Apesar do olhar preso às aves na árvore importada do outro lado do mundo, de repente, aquela cena me puxa para dentro de mim mesmo, num voo até à infância. Dia de chuva fina, quase uma garoa, o silêncio da rua, a tranquilidade em casa, tudo isso me enche de solidão minha alma.
Não estou triste, no entanto.
Festejo a paz de espírito, os olhos esvoaçando a chefrera que nem os pássaros. Dentro de mim se mexe um mundo. Meu mundo. Enorme e exuberante. Tão exuberante que sangra como o Açude Grande de Cajazeiras, meu eterno benquerer. Agora eu sei, é desse benquerer que vem a ânsia de revirar o passado e traduzi-lo em livros, como o Morticínio eleitoral em Cajazeiras e outros escritos lançado hoje em João Pessoa.
Presidente da Academia Cajazeirense de Artes e Letras
Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.
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