Casarão do Cel. Xavier
Por José Cícero
Com a decisão acertada do prefeito Adailton Macêdo em adquirir o antigo casarão do Cel. Xavier – o fundado de Aurora – creio que cabe agora a cada aurorense, fazer sua reflexão acerca da importância ou não deste ato. Notadamente os intelectuais, os formadores de opinião, os professores, os pesquisadores, os autodidatas, enfim todos aqueles que de alguma maneira devem(ou deveriam) nutrir um sentimento de amor e afeto à preservação da memória histórica deste município salgadiano e que agora acaba de completar seus 126 anos de história.
Creio desta maneira, a população como um todo ficaria mais atenta e vigilante no sentido de um maior comprometimento com as coisas que o passado nos legou e que de algum modo temos o dever de conservá-las às novas gerações e a posteridade. Afinal de contas, não cabe apenas ao poder público por iniciativa muitas vezes isoladas e episódicas dá esta tratativa incomum como forma de preservação histórica. Se assim não o fosse, muito do que já foi perdido para sempre não teria ocorrido.
Neste aspecto em particular é que haveremos de relevar como uma iniciativa grandiosa a decisão da compra do antigo casarão, sobremaneira num momento de crise por que passam os municípios brasileiros. Penso ser este um presente que não tem preço, oferecido aos aurorenses justamente num momento em que seus filhos ainda festejam o auspicioso aniversário de 126 anos de uma bela história. Um momento de absoluta celebração… Como se o nosso passado voltasse incontinenti à baila como em vídeo-tape.
No entanto, é preciso que se leve esta reflexão para os nossos centros do saber: as escolas em todos os níveis, o ambiente da sala de aula em todos os seus contextos precisam da argamassa temática do nosso próprio cotidiano. Quem sabe parte do desmoronamento do nosso nível de aprendizagem não resida no fato de que carece da praxe freiriana de se trabalhar o que é nosso? A abordagem acerca do velho casarão do coronel Xavier não é apenas história como tal se parece. É ética, cidadania, psicologia educacional, geografia política, filosofia, enfim, uma boa discussão que terá a cara daquilo que nos propomos a fazer dela. A depender do nível de compreensão que teremos de uma iniciativa como esta que também se insere na pedagogia do fazer sociocultural e histórica de qualquer urbe preocupada com seus entes sociais.
O que no fundo fomentará a informação necessária no tocante àquilo que efetivamente nos pertence e criando as condições objetivas para que lutemos por sua manutenção. Urge que façamos com que cada cidadão se sinta sujeito da sua própria história e isso só acontecerá através da consciência crítica e da autocrítica acerca das coisas e do mundo no qual estamos inseridos como sujeitos históricos. E através de uma educação de fato e sem nenhuma máscara como uma ferramenta e atitude de intervenção.
Os que não pensam assim de certo modo deseducam mais do que desinformam o que é muito pior. Os que não vêem na preservação da memória histórica uma saída para a compreensão do presente e do futuro de algum modo deletério estão na chamada contramão da história e dos acontecimentos hodiernos. Cada um pensa como quer e como pode, este é um princípio que a democracia lhe confere, no entanto, pensar errado não pode ser nem de longe algo admissível quando o que está em jogo é a tentativa da construção da própria identidade de um povo, cujo papel da história tem um peso especial.
Nenhuma civilização regrediu tanto quando esqueceu o seu passado. Nenhum povo conseguiu se perpetuar no tempo e no espaço não fosse o nível de cultura que deixou em formas de registros que vão desde a oralidade, artes, tradição, monumentos, isto é, um conjunto de patrimônio histórico quer seja material ou imaterial. Tudo como indicativo da sua mais alta e inquebrantável identidade social e humana. E Aurora não pode se dá ao luxo de não enxergar este fundamento quase axiológico e pensamental.
Portanto, a compra do velho Casarão do coronel Xavier veio em boa hora. Até porque o antigo prédio não suportaria mais uma invernada. Sua situação a cada dia que passa se agrava ainda mais e está periclitante mesmo diante dos olhos de todos. Era como sua presença se desse no nível do invisível ou do supra físico. Sua recuperação arquitetônica, portanto, requer agora um caráter emergencial. O tombamento pode até esperar, mas sua recuperação nem tanto.
O antigo casarão representa hoje a mais antiga e, portanto, o mais significativo do patrimônio histórico de Aurora e quiçá de todo o Cariri Oriental. Vez que fora erguido nos idos de 1831 seis anos antes da própria matiz que na época da construção do sobrada não passara de um minúsculo oratório remanescente do padre Antonio Leite de Oliveira, dantes proprietário da fazenda Logradouro, como era chamado todo o espaço circunscrito hoje ao centro da cidade.
Após adquiririr por herança a fazenda posto que despousara uma neta do padre, o Coronel Fco. Xavier de Sousa decidiu por construir o sobrado bem ao lado do oratório. E o fez com imponência, uma construção arrojada e grandiosa para a época, algo que pudesse a um só tempo evidenciar o seu poder e demarcar por assim dizer, o centro espacial que a partir de então, seria o núcleo irradiador do seu comando. Um local estratégico escolhido a dedo uma vez que de lá podia se vislumbrar toda a visão panorâmica do que ocorria naquela ribeira de frente para o rio e o nascente. Ainda com amplas janelas viradas para todos os lados, o coronel d’Aurora podia num raio de 360º graus se dá conta em pouco passos do cotidiano da antiga Venda da Aurora. Do alto, o coronel podia ver, por exemplo, o que faziam o preto Benedito na sua capela à margem do Salgado e a mulher Aurora na sua hospedaria a receber com sua graça os almocreves que subiam e desciam do litoral e dos sertões adentrando num verdadeiro frenesi o Cariri, pernoitando na Venda da dona Aurora. Por fim, digamos agora que o velho sobrado, testemunho maior da história aurorense hoje mais do que nunca pertence(como não podia deixar de ser) a todos os filhos desta terra.
A aquisição do casarão, é muito mais que uma ação isolada de um gestor preocupado com o bem-estar da municipalidade como seria o lugar-comum de muitos pelo Brasil afora. Mas não. A aquisição do casarão é uma obra da mais alta relevância social, justamente pelo fato de está diretamente atrelada não apenas ao presente, mas, sobretudo ao passado, o presente e o futuro de várias gerações que já se foram e que ainda estão por vir. Uma obra póstuma, pretérita e ainda mais futurista. Uma motivação a mais para que todos os aurorenses nunca mais se sintam distantes dos seus ancestrais o suficiente para não se sentirem parte importante de uma construção humana que nunca termina, malgrado a insensibilidade dos homens.
Uma obra que de tão substantiva talvez somente no futuro haveremos de compreender na sua totalidade a imensa valia do seu papel na formação e consolidação da nossa consciência cidadã. Um gesto desprendido e por isso mesmo grandiosa do alcaide Adailton Macedo em favor da sua terra.
A propósito, como estaria Aurora se outros tivessem pensado antes e agido também com esta acurada visão histórica e social? Se outros não tivessem a incompreensão ousada de mandar calar o som das gargantas de poucos que defendiam o casarão mesmo antes dele chegar a este atual estado de quase morte? Mas como dizem: antes tarde do que nunca. Vida longa ao casarão nos seus 178 anos de resistência ao tempo e a insensibilidade dos homens!
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