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Geraldo Wilson

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Carta para Minha Mãe, no Céu

15/05/2009 às 08h54

Por Gildemar Pontes

No céu deve haver uma caixa de correio para onde vão as cartas que as pessoas escrevem para os seus entes queridos. De lá, creio que São Pedro as recolhe e as entrega semanalmente numa carruagem de cavalos brancos, muito bem tratados. Imagino aquele velhinho de barba branca, ordenando ao cocheiro: pare aqui meu filho, tenho uma carta para Agostinho dos Santos, o poeta africano. É de se achar bonito o poeta assassinado recebendo abraços e beijos do gueto angolano; um momento, esta aqui não é a morada de Mário Quintana? É, chegaram dez cartas para ele.

No céu, segundo eu mesmo penso, porque (fui eu mesmo que pensei) e sou eu que estou dizendo, porque eu digo o que sei e também o que penso que sei, as pessoas retornam à infância. Como aqui na terra a gente fica velho, lá, elas voltam à idade da pureza. Os anos se contam para trás, estacionando pelas cinco ou seis primaveras. Um pouco diferente do que pensou Frances Scott Fitzgerald, no livro O curioso caso de Benjamin Button, em que o personagem nasce velho e retorna ao útero da terra como um bebê.

Minha mãe deve estar linda, já começando a ser mais nova. E daqui a algum tempo, quando passar por lá, haverei de vê-la uma gracinha correndo para me receber com flores e abraços. Eu, quiçá um velho bom! Quer dizer, acho que serei bom, droga! Lá vem o velho maniqueísmo entre bem e mal… se não for completamente bom para permanecer lá, quero dizer, ter uma chance de ficar no céu só um pouquinho pra espiar se tem mesmo Deus, peço uma cortesia do santo e faço uma visita cordial a alguns amigos. O que mais me alegra é saber que minha mãe estará bem, entre crianças.

A gente não precisava morrer para ir ao céu. Deveríamos transformar este planeta num grande paraíso e, pelo menos, lembrarmos da infância, dos nossos filhos, dos filhos dos nossos amigos, dos filhos dos desconhecidos. Deveríamos pensar em que mundo estamos fazendo o que fazemos? Uma construção ba-bélica é o que fazemos.

Sei que somos diferentes. Falamos até diversas línguas. Somos multicores. Somos grandes, pequenos, médios, baixinhos. Precisamos ter coisa mais semelhante do que isso: ter humanidade. Em que guerra estúpida perderei meus miolos? Na guerra pelo pão de cada dia para saciar minha fome de toda hora? Ou será na guerra por um lugar ao sol, já que a sombra dos viadutos, das praças, das favelas, das cadeias não me deixam dormir? Seremos quantos pedintes, quantos ladrões, quantas prostitutas, quantos menores abandonados, quantos delinqüentes, quantos doentes,… quantos mortos no final desta guerra? Comportará o céu tantos desvalidos? Responde-me daí velhinho de barba branca!

Estou com saudades mãe, de quando tu me dizias palavras desajeitadas de conforto, desorganizadas frases de encorajamento, tu com teu desordenado e belo português – a nossa complicada língua madrasta.

Aquele teu sorriso alegre, nunca falso, guardo-o na lembrança e no retrato grande que ficava na sala. Conservo-te muita coisa. O jeito de andar, a agilidade de pensar, guardo também um calção de malha vermelho e branco, que sempre usava aos domingos deitado na rede, depois do almoço, e uma oração por ti escrita de punho como meu maior amuleto. Mas o mais precioso é que lembro de momentos da mais pura infância. Tu, me encalcando cafunés, me penteando o cabelo, me arrumando à tarde para passear na calçada. Esqueci dos puxões de orelha e das palmadas com um pé da sandália japonesa, era uma surrinha de mentira, uma pisa saci, tu fingia que me batia e eu fazia careta pra não desmoralizar tua surra que nem doía. Tenho orgulho de tu seres a minha heroína, exemplo de luta renhida, o teu pé firme, sempre em cima do chão. E a tua gargalhada espontânea, esta não abandono, e gargalho sempre que posso.

Ah saudades mãe! Saudades do nosso café ligeiro. Dos nossos dias distantes. Das minhas noites de medo, quando eu gritava por ti e corria para tua cama, esta inabalável montanha onde eu estava seguro. Saudades também da tua comidinha temperada. Tu eras uma mistura de Dom Quixote com Santa Joana d’Arc. Como são todas as boas mães.

Hoje, mais calmo, parei para te escrever estas linhas no Dia das Mães. Hoje, talvez, saiba o tamanho da tua perda. Mesmo porque estou perdido e tu fostes a minha maior guia.

Quando te disse pela primeira vez que era poeta, tu ficastes ensimesmada, bordando as palavras numa pergunta que me veio como um raio. – Pra que serve isso? Depois de algum tempo, tu dizias para os amigos: – ele é meu filho, é o escritor. E eu ouvia orgulhoso o teu orgulho. Continuo teu “poetinha”, mãe! Olha, mãe, andei estudando um bocado e quase fiquei sábio. Mas valeu. Um dia, se der tempo no sonho, que nunca dá, eu faço um poema para ti, sei que será redundante, já que fostes a minha maior poesia. Beijos, do teu sempre…Gildemar


Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.

Geraldo Wilson

Geraldo Wilson

Jornalista DRT – PB 1.020, Vereador – Poço de José de Moura – Paraíba, Produtor e apresentador do Programa Questão de Ordem na Rádio Alto Piranhas – Cajazeiras – Paraíba, todos os sábados a partir do meio dia.

Contato: [email protected]

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