Caminhos do coração
Resolvi de última hora seguir meu coração. Apesar das muitas tarefas, nada seria mais importante que assistir a chegada do meu primeiro sobrinho. João José estava para nascer, tal acontecimento brilhava nas minhas retinas.
Peguei um táxi e durante o trajeto pensava nas reviravoltas do tempo. Nas perdas e ganhos, nas mortes e vidas, nos desencontros e reencontros. Espiava os galhos secos da paisagem quando o taxista freou abruptamente. Voltou alguns metros para a entrada de um novo passageiro, cuja mochila estava recheada de histórias. Ele esclareceu, a princípio, que não sabia que o veículo tratava-se de um táxi, não tinha o dinheiro da corrida. Em quarenta minutos de viagem, o cara retratou seus enredos numa visão cinematográfica. Casado, dono de empresas, trilhava com serenidade seus passos até que um dos seus sócios faleceu, deixando um amotado de dívidas. De lá para cá, separou-se, saiu do Rio Grande do Sul para morar com a irmã em São Paulo; desempregado decidiu visitar dois de ex-funcionários no interior da Paraíba.
Imaginava as dificuldades do percurso, as noites no meio da rua, os banhos incertos, a fome. Imaginava o golpe de realidade: o tudo, o nada. O andarilho expressou perfeitamente seu recado: a roda gigante que é nossa existência. Um dia mandamos, noutro precisamos. Um dia temos casa, comida, roupa lava; noutros os pés e a terra do caminho. Ele aceitou renascer, pelo menos, não cruzou os braços, quis abraçar os movimentos, o tempo. O lance dele procurar seus ex-funcionários, um brinde à plasticidade da vida.
E se tudo não passasse de um conto, elaborado minunciosamente por um escritor falido? Ou se ele estivesse a fazer laboratório para interpretar o novo protagonista de Walcyr Carrasco? Sinceramente, isto não tirava o poder de reflexão de sua história. Este episódio somado ao nascimento do meu sobrinho esmagou muitas das mini-certezas e visões limitadas do mundo. Em outro momento, escolhi entre escombros também renascer – cena para próximos capítulos.
O andarilho perguntava por que em meio a tanta terra no sertão, as pessoas não buscavam uma maneira de puxar água. Este procurar e os olhos abertos de João José: pernas em meu coração.
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