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José Anchieta

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As Estrelas do Bom Jardim

12/11/2008 às 19h12

Sempre gostei de olhar para o céu e identificar os carneirinhos e os dragões que, a partir das constelações, poderiam ser formados. Nenhuma, ou quase nenhuma lembrança tenho dos meus avós paternos, Antônio e Maria. Minha avó faleceu quando meu pai tinha doze anos e meu avô, quando eu tinha uns poucos anos de idade. Tive mais contato com os meus avós maternos, José e Ana.

De “Zé Guedes”, guardo episódios em que, jovem estudante de história, aluno de Piedade Rolim, lá no “primeiro grau” ainda, colhia informações de quem tinha vivido pessoalmente a história. Ele nasceu em 1914, ano em que a diocese de Cajazeiras foi criada pelo papa Pio X e orgulhava-se de ser afilhado de Dom Moisés Coelho, primeiro bispo de Cajazeiras; os assuntos que vinham à tona eram, frequentemente, a coluna Prestes, o governo do Getúlio, a Segunda Guerra Mundial e, claro, suas peripécias pelo mundo. Gostava de acompanhá-lo ao curral onde, bem cedinho, ordenhava as poucas vacas que possuía. Foi ele que, quando eu tinha poucos meses de vida, pegou em minha mão e perguntou para si mesmo de quem seria futuramente aquela mão, se de um advogado, ou de um médico. Será que ele queria um padre?

De “Vó Nininha”, Ana Moreira de Queiroga, guardo na lembrança a sua presença na cozinha, fazendo queijo de manteiga, cujo cheiro pela casa denunciava a sua confecção. Também não sai da memória a imagem da velhinha lendo uma antiga Bíblia ilustrada que sempre estava guardada na gaveta de uma mesa na sala, embaixo do Coração de Jesus. Certa vez, ousei abri-la e, confesso, tive um susto muito grande ao ler a perícope em que o diabo tenta a Jesus no deserto. Como disse, a Bíblia era ilustrada e o demônio não era tão bonito. De orelhas e dentes pontudos, esverdeado, com cetro na mão e coroa na cabeça, trago até hoje aquela imagem que não me causou bem.

No entanto, bom era quando chegava a noite, a “boca da noite”, e, sentados na calçada alta e perigosa do “Bom Jardim”, formávamos grupos de conversas em cadeiras, ou nos bancos memoriais de madeira. Impreterivelmente corria para perto de “vovó” e pedia que me ensinasse os nomes das estrelas. Minha mãe e minhas tias diziam que ela sabia o nome de todos os pontinhos que brilhavam no céu. Eu não tinha tanta intimidade para sentar em seu colo, mas, curioso a ponto de ser importuno, pedia que me conduzisse pelo espaço sideral, como numa viagem pelas constelações, abordando-as cada uma pelo nome: “as três Ave-Marias” e o Cruzeiro do Sul são as que consigo lembrar.

Não podíamos apontar, pois, em quem apontava estrelas, nasciam verrugas. Seria um castigo pela falta de educação para com elas? Não sei! Só sei que obedecia à minha condutora, fascinado pelas formas que espontaneamente iam surgindo no céu, à sua sugestão. E a noite ia passando e o sono ia chegando. À medida que Morfeu (o deus do sono) se encarregava de capturar os párvulos para o mundo dos sonhos, a conversa dos adultos ia ficando mais séria. Há assuntos que não se devem conversar em presença de crianças.

Hoje, olho para o céu e, sozinho, por entre os monólitos de Quixadá, identifico as figuras que vovó me ensinou a reconhecer, sem maiores dificuldades. As três Ave-Marias estão lá e o Cruzeiro do Sul também. Deveria ter gravado na minha mente pueril os nomes de mais constelações, mas isso não foi possível. As que aprendi com minha avó já bastam para encontrá-la por entre as estrelas. Pois ela está lá, no céu, brilhando para mim.

Saudades, vovó! Até breve.


Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.

José Anchieta

José Anchieta

Redator do Jornal Gazeta do Alto Piranhas, Radialista, Professor formado em Letras pela UFPB.

Contato: [email protected]

José Anchieta

José Anchieta

Redator do Jornal Gazeta do Alto Piranhas, Radialista, Professor formado em Letras pela UFPB.

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