As cancelas e passadiços de minha vida
Por José Antonio
Uma oiticica com mais de um século de existência ainda reina exuberante às margens do Riacho dos Cochos, afluente do Rio Piranhas, ao sudeste do município de Cajazeiras e dela tenho gratas lembranças: catei muitas latas de seus frutos para meu pai vender na empresa Anderson Clayton, que refinava o seu óleo para exportação e era na sua sombra que a camioneta dele ficava quando as enormes enchentes não davam passagem nas caudalosas águas vindas desde a Serra dos Oitis, mas o que vem mais forte em minha memória era uma cancela, encravada no seu tronco, para dividir a estrada das terras de meu pai, que eram cercadas com varas de marmeleiros, sem a retirada dos ramos e tecidas horizontalmente entre estacas de angico. A cerca de arame farpado ainda não tinha por estas bandas.
Esta cancela, que infelizmente não existe mais, fez parte de minha infância e a transformei num brinquedo de estimação, quando a abria totalmente, subia na terceira tábua, a empurrava com um dos pés até esbarrar num grande mourão de aroeira, que servia de batedor e também para ser amarrada. E repetia uma, duas, três e até ficar cansado ou quando era flagrado pelo tio Zé Luís, que tomava de conta das terras de meu pai, que com seu grito fino, mandava que eu parasse imediatamente “com essa traquinagem”.
Outra forte lembrança é a de um passadiço, que substitui uma cancela, e muito simples de fazê-lo e que facilitava passar por cima de uma cerca, construído de madeira, que formava duas escadas, uma de cada lado da cerca, que existia na propriedade de Manuel Soares, caminho de mais de três quilômetros, percorrido por meu pai, quase que diariamente entre Boqueirão de Piranhas e o Sítio Cochos e eu sempre ia com ele, depois que completei sete anos de idade.
Lembro ainda de uma cancela, colocada na divisa entre os Cochos de Baixo e os Cochos de Cima, que marcava o inicio das terras de Dr. Severino Cordeiro, depois adquirida por meu pai e que hoje faz parte do patrimônio dos herdeiros. Ficava bem próxima desta cancela a casa de meu avô, Coronel José Antonio, aonde nasceu meu pai, em oito de maio de mil novecentos e vinte. Infelizmente esta casa não existe mais e nestas terras está encravado o Assentamento Valdeci Santiago.
Quando me casei, em 1971, minha mãe me instigava: “- compre um pedaço de terra pra você criar nem que seja um jumento” e por causa de um cavalo, adquirido pelo meu filho Sávio, comprei uma garra de terra no Sítio Angelim e aí me apareceu outra cancela na minha vida, no trajeto de Cajazeiras para este sítio e próxima dela, em terras pertencentes ao advogado Joaquim Alencar, residia um casal que tinha um filho, que sempre estava pronto para abri-la e eu o cobria de mimos: pão, bolo, moedas e até um chapéu. Era o “Menino da Porteira”, só que eu não tinha um berrante para tocar pra ele ouvir, só o som da minha voz com um sonoro agradecimento: muito obrigado. Nunca mais o vi.
O tempo passou, mas como não posso viver sem uma cancela, outra me apareceu entre minhas garras de terra: a Faisqueira e a Caiçara, desta vez na divisão das propriedades de Zé de Marçal e Laércio da Praeixo, às margens do Rio Piranhas.
Hoje para minha felicidade vivo cercado de cancelas: as dos currais do gado, dos reservos e das bebidas dos animais da propriedade, sempre com um amigo na boleia do carro, para abri-las para as minhas passagens.
Cada cancela que apareceu em minha vida, nunca tive dificuldade em escancará-la, de deixá-la aberta para minha liberdade, para minhas idas e vindas, mas cada delas tinha um rangido diferente: umas com mensagens de saudades, outras de tristezas, muitas de alegrias e felicidades.
Hoje estou abrindo as cancelas de meu coração para deixar penetrar as boas lembranças, os belos momentos de minha infância e os também vividos no meu caminhar e no entardecer de minha vida.
Agora, bem longe, no infinito do nada e no tempo além do horizonte, ouço apenas o bater da cancela no mourão da aroeira que não tem fim, nem tempo de acabar, do mesmo jeito como é a lembrança de meu pai, que queria bem aos seus pedaços de terra, seu gado, suas fruteiras e de por um punhado de terra molhada pela chuva nas mãos para cheirá-la. Quanta saudade de meu pai, que abriu todas as cancelas da vida para eu passar e me ajudou a subir e a descer os passadiços para eu prosseguir minha caminhada, sempre ao seu lado.
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