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Mariana Moreira

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Apenas, saudade

05/03/2016 às 18h04 • atualizado em 07/03/2016 às 18h08

Millena Hellen tinha 17 anos. Confira!

Apenas, saudade – Por Mariana Moreira

Como a irresponsabilidade humana pode silenciar os gritos e soluços de dor de uma mãe? Qual lenitivo seria suficiente para aliviar o sofrimento de quem, de forma abrupta, vê a morte roubar seus dois únicos filhos? Um roubo arquitetado na inconsequência de associar bebida alcoólica e direção. A desobediência às leis e o absoluto e visceral desrespeito ao ser humano se naturalizam como práticas que se repetem reduzindo o sentido e o valor da vida e dos sentimentos humanos a uma aventura inconsequente envolta na negligencia da punição.

E assim, Milena e Marcelo, dois jovens que ensaiavam os primeiros passos na vida, foram abruptamente mortos num acidente que expressou, em toda sua dimensão, a banalidade da existência. Marcelo, aluno em fase final de conclusão do Curso de História do Centro de Formação de Professores, tinha como marca indelével de sua personalidade um sorriso franco, raso e verdadeiro que emoldurava o seu rosto de olhos ligeiros e contornos sinceros. Milena, na tarde do acidente, voltava com o irmão do CFP, onde tinha feito sua matrícula para ingressar no Curso de Enfermagem. Marcelo, além de estudante, era um trabalhador. Na porta de sua casa singela a placa divulgava suas atividades de técnico em consertos de fogão a gás. Uma atividade que, ainda adolescente, ele abraça como forma de assessorar e incrementar a renda familiar.

A morte de Marcelo interrompe o seu desejo de ser professor e de fazer do conhecimento histórico uma alegre aventura de invenção e reinvenção da vida. Tinha assumido o cargo em uma Prefeitura da região de Pombal, após ser aprovado em concurso público, e começaria a desempenhar suas funções nos dias seguintes, numa jornada abreviada pela inconsequência.

O choro sentido e verdadeiro de seus colegas de turma se associa ao pranto doido e angustiante da mãe que, num intervalo de quatro dias, enterra seus dois únicos filhos. Filhos que, como ela testemunha, sempre foram meninos sensatos, amigos, solidários. O abraço que a mãe de Marcelo deu em cada um dos “amigos da Faculdade” trazia, no gesto, toda a expressão e dimensão da dor, da busca quase desumana de encontrar algum lenitivo para uma certeza que teimava em não ser aceita: a de que aquele corpo inerte e gelado que trazia as marcas da violência do acidente não mais expressaria sorrisos, abraços, afagos, presenças.

A dolorida situação da morte de Milena e Marcelo não pode se associar a milhares de outras mortes que permanecem impunes, a revelia da existência de aparatos legais que são instituídos no sentido de disciplinar a vida humana e de torna-la menos opressiva e angustiante. Mas, a impunidade ainda prevalece como medida e proporção para muitos gestos e comportamentos.

E fica apenas a expressão da saudade, traduzida nos versos do Chico Buarque:

(…) a saudade é o revés de um parto

A saudade é arrumar o quarto

Do filho que já morreu.

(Pedaço de mim)


Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.

Mariana Moreira

Mariana Moreira

Professora Universitária e Jornalista

Contato: [email protected]

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