A Velha de Batista
Ela sempre chegava a nossa casa de Impueiras com um discreto semblante matreiro de quem estava sempre com o espírito alegre e de quem via a vida por uma perspectiva traquinas e serelepe. Um jeito bonachão, olhos agateados, fala pausada e sempre entrecortada por um sutil e quase sussurrado sorriso. A sua visita era sempre acolhida com alegria e contentamento, pois sempre vinha acompanhada do desprendimento para a ajuda. Foi uma das mais fiéis comadres de minha mãe e, em muitos dos seus resguardos, era ela quem, ao lado de comadre Emília de Antonio José, chegava à primeira hora para uma lavagem de roupa, a limpeza dos terreiros, pilar o milho para o munguzá, torrar o café.
Essa é Francisca de Batista, ou a Velha, como todos carinhosamente sempre a tratamos. Uma figura humana e com uma verve cômica bastante aguçada, como para amenizar as agruras de uma vida marcada por privações e limitações. Seu lado engraçado pode ser expresso quando, certa vez, a trouxe para Cajazeiras e a internei no hospital para ser tratada de um ferimento em uma das pernas e que estava demorando a cicatrizar. Certo dia, quando um funcionário recolhia sangue para exames ela olha meio desconfiada e sapeca: vai fazer chouriço.
Mas, para mim, a Velha tem um significado especial. É minha irmã de umbigo. Hoje, essa expressão e todo o significado cultural e afetivo que ela resume estão em franco desuso. Muitos, inclusive, não sabem sequer o seu significado. Até um tempo relativamente recente, sobretudo, para quem morava na zona rural, os partos eram sempre feitos em casa. Uma empreitada que sempre contava com a providencial ajuda das parteiras, que orientavam e ajudavam as parturientes a trazer ao mundo a nova vida.
Nesse contexto é que, quando nasci, numa tarde de agosto, com meu pai ensacando algodão no terreiro, minha mãe teve o auxílio da parteira Ana Preá, que tinha como uma de suas filhas Francisca de Batista. Por essa circunstância natalícia, Ana Preá estabelece com minha mãe um profundo laço de reverência, passando se tratarem por comadres. Para mim, ela passa a representar uma extensão da figura materna e, desde a terna infância, fui orientada e lhe tomar a bênção e a tratar os seus filhos como meus irmãos. Daí, a irmandade enviesada com a Velha de Batista e que, juntamente com seu irmão, Zé Preá, ainda hoje cultivam por mim um sincero e despretensioso carinho.
Mesmo com sérios problemas de visão, os dois sempre me acolhem com gestos largos de afeto. A Velha, sobretudo, já intercalando intervalos de devaneios em razão da idade avançada, ainda cultiva lampejos de lucidez quando a visito e ela espontaneamente, em gestos e trejeitos, expressa esse vínculo de irmandade que, ao longo dos anos, foram sendo costurados em uma convivência cerzida com os fios da comunidade, das trocas e partilhas de ajudas, do respeito e da solidariedade.
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