A tristeza da anedota
Ao ver teu rosto inerte e desfigurado pela morte uma profunda tristeza me assalta. O conforto vem das lembranças de infância quando, nos terreiros poeirentos da casa de Papai Manoel, no Cipó, inventávamos folguedos e arquitetávamos brincadeiras que, rompendo barreiras, reuniam meninos e meninas no mesmo espaço do lúdico e do inocente.
Com cipós improvisados de rama de salsa que cresciam no porão do pequeno barreiro testávamos nossa coragem até o limite em que alguém saia choramingando em busca do conforto de nosso avô ou de suas casas. Eu, Diana de Tia Honória, Dedé de Ritinha, Zé Pretinho, Natanael, um bando de meninos e meninas descobrindo o mundo entre sonhos e promessas, nos intervalos das histórias de Seu Joaquim Pereira e a caipora que ele, carinhosamente tratava por Dona Rosinha e para quem deixava rolas de fumo nos tocos do caminho para o Riacho do Meio.
Veio a lembrança as aulas de Dona Lourdinha, na Escola do Cipó, e das brincadeiras na calçada da Capela, alimentadas pelo cheiro da rapadura e do óleo diesel que exalava da chaminé do velho engenho da Coréia, em seus meses de moagem. Das ausências a escola em dias de cheias do riacho nos meses de invernada. Crescemos sempre unidos por eles laços de afeto e carinho construídos nessa relação de tio irmão. A orfandade precoce de pai e mãe te obrigou a buscar, desde cedo, alternativas de sobrevivência. A rudeza da vida, no entanto, não embruteceu as marcas mais decisivas de teu caráter: a amizade, a solidariedade e a alegria.
A dor de tua partida não escondeu as lembranças de tua alegria e de tua risada franca, rasa e sincera quando, nas inúmeras reuniões em nossa casa, em Impueiras, contavas anedotas e animavas as conversas com seu jeito afável e sempre aberto a construir uma amizade verdadeira e despretensiosa. Amigos muitos que você foi construindo ao longo da vida e que, nos teus derradeiros momentos entre nós pranteavam tua inesperada partida. Amigos que sempre encontraram em você a disponibilidade para a ajuda, o tempo para escutar os problemas, a mão amiga que confortava nos momentos delicados, o abraço reconfortante que superava angústias e fazia acreditar na vida e no ser humano.
Sua disponibilidade para ajudar os outros era sem limites. Muitas vezes bastava um simples telefonema para você e, com uma agilidade impressionante, ia comigo ao sítio trazer papai ou mamãe ao médico. Não importava compromissos, trabalho, horário.
Também foi um pai e um avô carinhoso e amigo. O orgulho e a satisfação que te contagiava no dia do casamento de tua filha Valesca eram visíveis. A alegria e a sincera vaidade com que falava dos netos Gabriel e Fernanda e da filha Naila eram impressionantes. O cuidado e atenção que dedicou a esposa Aila nos momentos mais cruciais quando um grave problema renal a obrigou a desgastantes sessões de hemodiálise e o carinho que revelou em todo o processo do transplante renal.
A forma inesperada e abrupta de tua morte nos pegou a todos despreparados para tão violento e inaceitável fato. Em nossos corações ainda pulsa o sentimento do inconformismo. Mas tua risada franca e tua alegria inebriante nos fazem caminhar, mesmo sabendo que não mais teremos tua prosa verdadeira. Apenas tua gostosa saudade.
Hoje, Natanael, meu tio irmão, tua morte parece uma triste piada cujo desfecho não traz a expectativa da risada.
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