A minha lua
Por Mariana Moreira
Na minha infância tinha uma lua que era só minha.
E, nas noites de lua cheia, ela surgia para mim na depressão entre os serrotes do Redondo e do Tambor, harmonizando o meu nascente que se desenhava depois da touceira de bugari, cujas flores, sobreviventes dos ataques das formigas de roça, espalhavam um suave perfume por terreiros e narinas.
A minha lua aparecia timidamente em fases crescentes lá nos confins do poente, para além da Serra da Areia, em fins de tarde que se despediam do dia e anunciavam noites de visitas de parentes e amigos que traziam prosas de invernadas, de estiagens, causos de família, botijas enterradas. Prosas de visagens e malassombros que insistiam em continuar comigo por sequencias de lembranças e noites de lua nova.
A minha lua brincava de esconde-esconde em fases de lua nova, sumindo do céu e deixando as noites mais soturnas e carregadas de almas penadas, de faróis de pirilampos e vagalumes e de estrelas que cintilavam longes como a expressar saudade da pariceira com quem pontilham os céus de focos de luz e claridade.
A minha lua escapava por uma fresta de telhado em minhas madrugadas insones e brincava de uma réstia serelepe na rede que acolhia o corpo infantil desperto com sonhos e medos. E, de repente, se escondia por trás de uma traquinas nuvem que, escoteira, passava apressada na direção do cariri cearense, como a buscar proteção de beatos e padins.
A minha lua deixava os campos de minha infância nevados nos meses de safra de algodão trazendo para a memória a prosa solta, mas sofrida, dos catadores que, em fins de tarde, aquilatavam o resultado do trabalho na balança de braços de corda suspensa na galha da cajazeira. A mesma lua que, à noite, trilhava os caminhos dos crentes e devotos que se ajuntavam nas renovações e novenas marianas fartamente celebradas na comunidade e, dançando num céu de prata, se divertida nas infantis brincadeiras de roda, nos flertes e olhares de soslaios dos jovens nas rodas de “lado direito”, nas conversas sérias de adultos em calçadas e cozinhas.
A minha lua tinha um São Jorge que também era meu. Como minha era a estrela que, em períodos do ano, lhe seguia reluzente como a revelar o orgulho de ter tão sublime pariceira de caminhada celeste.
Mas, minha lua ficou na minha infância. Se perdeu entre anos, cidades e luzes, projetos e estilos de vida. Hoje, esporadicamente, ainda encontro alguns fragmentos e fiapos de minha lua que teimam em escapar do adulto esquecido do sonho e da posse de ter sua própria lua.
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