A fumaça da nossa burrice
A coluna de fumaça se projeta sobre a cidade riscando no céu o macabro espetáculo tradutor de nossa irracionalidade. Invadindo as narinas da urbe com seu asfixiante teor de dejetos e resíduos putrefatos, a fumaça escancara a irresponsável atitude que os homens adotam diante da natureza, mesmo quando esta sinaliza sua tristeza, em toda amargura e impetuosidade.
Tristeza sinonimizada em secas lancinantes, enxurradas violentas, furacões indomáveis e avassaladores, aumentos de temperaturas que descongelam paisagens, esterilizam solos e começam a produzir uma nova configuração de grupos humanos: os fugitivos do clima.
E a fumaça se espraia, democraticamente, sobre a cidade, contagiando a todos com seu cheiro de podridão que expressa nossa intencional incompetência em lidar, de forma sensata, com o lixo que produzimos cotidianamente. Lixo que descartamos na natureza movidos pela inconsequente e proposital concepção de que, na natureza, tudo se consome sem danos ou resultados. Uma concepção que está no cerne na atual civilização industrial que, nos últimos trezentos anos, devastou mais de noventa por cento de nossos recursos naturais, ou seja, florestas, cursos de água, minérios, e, também populações.
A fumaça, no entanto, nos provoca. E interrogamos: qual entrave impede uma cidade da dimensão econômica, social, política e cultural de Cajazeiras ter, até o momento, por iniciativa de governo, discutido e operacionalizado formas de coleta e utilização do lixo que produz? E as possibilidades de uma relação menos dramática do homem com o lixo que ele produz são múltiplas e, inclusive, economicamente, produtivas.
Em várias partes do planeta se multiplicam as experiências com o aproveitamento do lixo, através da reciclagem, da produção de insumos para utilização na agricultura, na produção de energia e, sobretudo, na utilização de mão de obra, que reduz o desemprego, na geração de renda, que altera padrões de vida de milhares de família, e, na construção de relações menos agressivas do homem com seu ambiente, aumentando as possibilidades de vida deste planeta, outra azul, hoje, cinzento.
Então, porque continuamos assistindo o deprimente espetáculo da coluna de fumaça que se lança sobre o sertanejo céu cajazeirense tingindo de burrice seu azulado infinito?
Será que a fumaça, ou melhor, o lixão que a produz é mais rentável eleitoralmente que intencionalidades e iniciativas de discutir e propor para o município um programa de coleta seletiva, de reciclagem organizada, de transformação do lixo orgânico em adubos, da geração de energia?
E o baiano Gilberto Gil consegue romper as barreiras de fumaça, reais e/ou político-ideológicas, e nos ensina:
Não creio que o tempo
Venha comprovar
Nem negar que a História
Possa se acabar
Basta ver que um povo
Derruba um czar
Derruba de novo
Quem pôs no lugar
É como se o livro dos tempos pudesse
Ser lido trás pra frente, frente pra trás
Vem a História, escreve um capítulo
Cujo título pode ser “Nunca Mais”
Vem o tempo e elege outra história, que escreve
Outra parte, que se chama “Nunca É Demais”
“Nunca Mais”, “Nunca É Demais”, “Nunca Mais”
“Nunca É Demais”, e assim por diante, tanto faz
Indiferente se o livro é lido
De trás pra frente ou lido de frente pra trás
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