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Maria do Carmo

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A ficção entre recordações e realidades

12/03/2021 às 16h17

Coluna de Maria do Carmo

Por Maria do Carmo

E assim é traçado um pequeno relato da vida de um homem simples na terceira idade, que se deleitava no prazer ao relembrar a sua história no seu pouco tempo de escola cuja origem está no livro de Ciências Sociais volume 1º já na sua 23ª edição (Saber é Poder) ano 1950 cujo autor é Ariosto Espinheira.Uma antiga obra de folhas amareladas e desgastadas pelo tempo, farol iluminador do conhecimento para alguém que leu, aprendeu, cresceu e idealizou sonhos realizados. Hoje, saudades e lembranças.
A primeira “lição” assim chamada pelo aluno traz o título “A casa de Luiz” nas páginas 7 a 9 do respectivo livro ficou impregnado na memória do homem saudosista que assim narrava a descrição. Luiz mora numa casa branca de portas e janelas verdes com uma sala de visitas, dois quartos (dormitórios), uma sala de jantar, o banheiro, a cozinha e o quarto da empregada (na linguagem patronal da época), uma varanda e um pequeno quintal. Tudo era bem detalhado no raciocínio do ancião sobre a “lição” desta casa o que despertou no mesmo o desejo de morar numa casa assim como a de Luiz. Era um texto ficcional, com enfoques relacionados às Ciências Sociais, talvez o objetivo da didática da época; englobar informações de ordem científica numa roupagem literária.

O padrão da casa de Luiz era bem distante da realidade da moradia de muita gente inclusive do próprio rapaz sonhador. Agora a ficção dá lugar à realidade. O jovem pobre morava em uma casa de taipa (de barro) coberta de telhas de barro, piso de barro batido e portas de madeira trabalhada pelo machado. Não tinha paredes pintadas; o barro seco rachado formava desenhos não planejados entre as varas amarradas de cipós para garantir a sustentação do barro e a permanência das paredes. Banheiro não existia; o banho era nas proteções feitas de palha de coco ou nos açudes que ficavam “cheios” no período invernoso, as águas das nascentes ou olho d’água jorravam perenemente: presente de Deus naquela humilde comunidade.

Para livro chegar às mãos do menino: branquinho, barrigudinho um ambiente humilde onde falar em escola era quase que impossível, uma vez que nem prédio existia para o funcionamento da mesma. O “mestre” assim chamado fixava residência na casa de uma família a convite do patriarca e só estudava os de fora se fosse convidado e tivesse condições de pagar a mensalidade a este “Mestre” o qual era muito respeitado pelos alunos e famílias, passava temporadas semeando a semente do saber, ajudando aos jovens saírem das trevas da ignorância. As orientações escolares centravam-se no ensino dos princípios básicos da matemática: (as quatro operações), a escrever e ler. Funcionava muito bem para quem tinha mais facilidade de aprender; para outros, não!Assim diziam alguns “aprendi a ler e escrever e as quatro operações em poucos dias na escola”. Ah! É um letrado “na época o destaque era para os homens, as oportunidades de escola era muito pouca para as mulheres”.

O desvendar dos novos horizontes estavam acontecendo na vida do jovem esperançoso, com seus mais ou menos 25 anos de idade, aquelas mãos que desde criança pegavam no cabo da enxada aparecia também um lápis entre seus dedos. Foram poucos dias na escola, mas foi o suficiente para o jovem aprender a ler, escrever seu nome, raras palavras e resolver as contas. Uma espécie de mágica funcionava na pedagogia do seu “Mestre” de pouca preparação pedagógica.Foram muitos sacrifícios: pobreza, cansaço porque as aulas eram à noite uma vez que de dia trabalhava no roçado e pouco dinheiro para pagar a mensalidade do “Mestre” pelo qual tinha respeito e admiração.

Os tempos se passaram, as ladeiras e as curvas na vida daquele estudante foram enfrentadas com coragem, perseverança e muito sacrifício, estimulado pelo plano verossímil de uma “lição” ; as colunas do seu futuro foram traçadas e construídas as edificações de uma vida honesta pautada no trabalho, na honestidade e na humildade. O homem de 80 anos de idade contava a sua fantástica história com emoções, sentia a sua alma inebriada do sentimento valoroso sobre a importância da escola e do enfrentamento e resistência às dificuldades para estudar. Subiu os degraus da vida e movendo-se para outros pontos, não se acomodou, buscou “o novo” mesmo numa vida simples, porém de uma vitoriosa batalha.

Nem sabia o jovem rapaz que o dia do seu aniversário se tornaria inesquecível nos tempos atuais, quando ele completava os seus 46 anos acontecera a oficialização do Dia Internacional da Mulher no ano de 1975. Para ele na sua terceira idade, era motivo de prazer e alegria comentar a interessante coincidência de seu aniversário com o importante fato histórico. A máxima: “nasci no dia das mulheres” nas suas palavras ditas com bons gracejos, mas de muita sinceridade, respeito e elogio às mesmas. Era manifestado assim o alargamento da sua mentalidade sobre a valorização à dignidade feminina mesmo sendo originário de um modelo de família patriarcal e de uma sociedade até hoje machista. Sua passagem aqui na terra terminou, no entanto as marcas da sua preciosa história continuam vivas na memória da sua família que com muito carinho mantém seu livrinho bem guardado.

Professora Maria do Carmo de Santana

Cajazeiras, 12 de Março de 2021


Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.

Maria do Carmo

Maria do Carmo

Professora da Rede Estadual de Ensino em Cajazeiras. Licenciatura em Letras pela UFCG CAMPUS Cajazeiras e pós-graduação em psicopedagogia pela FIP.

Contato: [email protected]

Maria do Carmo

Maria do Carmo

Professora da Rede Estadual de Ensino em Cajazeiras. Licenciatura em Letras pela UFCG CAMPUS Cajazeiras e pós-graduação em psicopedagogia pela FIP.

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